Falta de transparência, abordagens indevidas e reforço de vieses: as consequências do uso de ferramentas de reconhecimento facial no Brasil foram abordadas em um seminário na Defensoria Pública na última sexta-feira (4). 

Intitulado ‘Olhos que nos veem’, o evento foi uma iniciativa da Defensoria do Rio junto ao Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) e ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), com o apoio do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (Fesudeperj). O seminário teve como objetivo trazer reflexões de especialistas sobre o uso do reconhecimento facial no Brasil.

— Temos profundo interesse na questão do reconhecimento de pessoas pelo reconhecimento facial para que possamos, através do nosso trabalho, inibir injustiças e prisões equivocadas. Prender uma pessoa equivocadamente é mais do que um mero constrangimento. Não se repara um dia atrás das grades, essa é uma crueldade que não pode ser reparada — opinou Lucia Helena Barros, coordenadora de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio

A defensora também pontuou a falta de transparência e dados oficiais, mesmo diante do crescimento do uso de reconhecimento facial em grandes cidades, como o Rio de Janeiro. Daiane de Souza Mello, coordenadora de Promoção da Igualdade Racial de Nova Iguaçu, deu continuidade ao assunto:

— Realmente não temos dados da segurança pública, em relação ao uso desse reconhecimento. Quais são os impactos negativos? Precisamos quantificar as pessoas que foram abordadas de forma errada e o impacto desse acontecimento na vida das pessoas, o que nem sempre tem a ver com prisões — refletiu a psicóloga Daiane de Souza, que também passou por um reconhecimento facial errôneo neste ano. O caso é atendido pelo Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial da Defensoria Pública (Nucora).

— Faço questão de falar sobre isso porque percebo que esses casos (de abordagens indevidas com base no reconhecimento facial) costumam ficar invisíveis, como se não tivessem um impacto extremamente agressivo, inclusive na saúde mental — completou Daiane.

A corregedora-geral da Defensoria Pública, Katia Varela, lembrou que a tecnologia de reconhecimento facial enfrenta forte resistência e foi até suprimida mundo afora. E ressaltou a necessidade de cautela na aplicação da tecnologia:

— Apesar da suposta crença de que a tecnologia é neutra, a inteligência artificial reproduz desigualdades. Se a sociedade é discriminatória, o reconhecimento facial também será, e é isso que se observa.

Durante sua fala, Fernanda Prates, docente da FGV Rio, abordou os riscos do uso do reconhecimento facial como instrumento de investigação e alertou para o risco de testemunhas serem confundidas em casos de falsos positivos. De acordo com Prates, câmeras de monitoramento e redes sociais são a origem de muitos materiais analisados por softwares de reconhecimento facial:

— O levantamento de fisionomias entregue pela tecnologia de reconhecimento facial pode contribuir para que investigações trabalhem com pistas falsas e equivocadas, gerando suspeitos desde o início. Ou seja, essa ferramenta pode aumentar o número de prisões errôneas e, infelizmente, de condenações injustas — argumentou Fernanda.

O evento contou, ainda, com palestras dos especialistas Bernardo Accioli, professor convidado do Programa de pós-graduação em Direito Digital do Ceped/Uerj e ITS Rio; Carina Quito, integrante da diretoria executiva do IBCCRIM; Cleifson Dias Pereira, coordenador estadual do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais;  Maíra Fernandes, coordenadora do departamento de Novas Tecnologias e Direito Penal do IBCCRIM; Maria Eduarda Couto, chefe de inteligência de dados da Civitas; Tainá Junquilho, professora do mestrado em direito do IDP; e Pablo Nunes, coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), que falou sobre a importância da realização do seminário na DPRJ:

— O espaço da Defensoria é relevante e importante para a gente discutir esse tema e, principalmente, olhar para um futuro de políticas públicas que sejam mais justas e seguras para todos. O CESeC tem, desde 2019, desenvolvido muitas pesquisas sobre o tema do uso de reconhecimento facial na Segurança Pública. Seja monitorando o número de pessoas presas com essa tecnologia e revelando, por exemplo, que quase a totalidade das pessoas eram pessoas negras. 

Confira as fotos do evento aqui.

Texto: Nathália Braga



VOLTAR