Levantamento inédito da Defensoria Pública do RJ aponta que aposentados e funcionários públicos,
muitas vezes os únicos provedores do lar, são os mais atingidos pelo problema 

 

A facilidade na contratação de serviços de crédito como o de empréstimo consignado – aliada à expectativa de melhoria nas finanças pela adesão a essas operações – coloca as pessoas com idades a partir dos 55 anos entre as mais vulneráveis ao superendividamento e as que mais procuram a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) para esses casos. Em pesquisa inédita sobre o tema realizada pela instituição, foi constatado que os acompanhamentos feitos pela Comissão de Superendividamento do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) envolvem consumidoras e consumidores com a mais variada faixa etária e com percentual médio de comprometimento da renda mensal familiar de 90%, havendo casos, porém, em que o índice chega a 1067%.
 
– A oferta de crédito a pessoas nessa faixa etária é ainda mais agressiva por causa da tendência à estabilidade financeira e da garantia, para as operadoras de crédito, de que elas terão renda mensal para o pagamento da dívida. As empresas sabem que na maioria das vezes estão lidando com aposentados e funcionários públicos – destaca a coordenadora do Nudecon, Patricia Cardoso.

– Uma das causas do superendividamento é a oferta irresponsável de crédito e a principal operação realizada atualmente é o crédito consignado. Geralmente os usuários desses serviços são os únicos provedores do lar e na expectativa de suprir as despesas acabam fechando o negócio. É importante lembrar que o superendividado é uma pessoa de boa fé e acaba chegando a esse ponto porque não quer ficar inadimplente – observa Patricia.
 
Realizado com o objetivo de traçar o perfil do público atendido pela Comissão, o levantamento da Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria analisou, num primeiro momento, questionários respondidos entre 2012 e 2017 pelos 95 assistidos que participaram de audiências de conciliação no ano passado. No grupo foram identificadas 10 pessoas com rendimentos mensais de um a cinco salários mínimos e com índice de comprometimento da renda familiar de 320% a 1067% ao mês, ou seja, com percentuais superiores à já elevada média de 90%.
 
– A pesquisa torna certa a percepção de que o tratamento aos casos de superendividamento na Defensoria Pública é muito eficiente e com grande índice de sucesso nas conciliações para os consumidores. Como não existe norma regulamentando o tratamento às pessoas superendividadas, optamos pelo caminho extrajudicial e os resultados do estudo são muito satisfatórios. Trouxemos para a Defensoria o protagonismo da solução de conflitos – frisa Patrícia Cardoso.
 
Um dos casos analisados na pesquisa é o da ex-funcionária de um banco, e mãe de dois filhos, com dívida no mercado de cerca de R$ 200 mil atualmente quase toda quitada. Preocupada com o sustento da família após a morte do marido, ela passou 20 anos adquirindo um empréstimo atrás do outro com o objetivo de quitar os anteriores e, com a renda comprometida, ainda ficou sem salário por oito meses porque também aceitou o crédito oferecido pela instituição financeira onde trabalhava. A empresa foi uma das primeiras a aplicar os descontos na renda que recebia, deixando-a sem recursos paras as despesas básicas, segundo afirmou.
 
– Eu precisava sustentar a família e na hora de pegar empréstimo só pensava no valor que teria no momento para as despesas. Foi assim durante um bom tempo e depois da aposentadoria ainda tive que trabalhar como profissional autônoma. Você acredita que até hoje o banco onde eu trabalhei – e que me deixava no zero – me oferece crédito? – surpreende-se a funcionária atualmente aposentada, que prefere não se identificar.
 
Hoje, aos 60 anos, ela afirma que está aliviada por quitar boa parte das dívidas e ao buscar ajuda para isso chegou à Comissão de Superendividamento do Nudecon. No órgão recebeu orientação jurídica integral e gratuita e o acompanhamento referente aos seis empréstimos que adquiriu em várias instituições financeiras, tendo participado de audiências de conciliação para a renegociação das dívidas e para a obtenção de descontos, entre outros objetivos, e de aulas de Educação Financeira para a reestruturação das finanças, além de outras iniciativas oferecidas aos assistidos durante o chamado “tratamento” ao superendividado.
 
– A pesquisa identifica o perfil do superendividado que recorre à Defensoria Pública e quais as modalidades de crédito e as instituições financeiras mais procuradas. Esse mapeamento possibilita ao Nudecon o aperfeiçoamento dos serviços prestados e o investimento em programas de educação financeira direcionados à realidade desses consumidores. Quanto mais conhecimento sobre o tema, maior é a possibilidade de investir em políticas públicas – observa a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ, Carolina Haber.
  
Mulheres representam 66% das pessoas assistidas
 
A pesquisa divulgada pela Defensoria baseou-se nas respostas fornecidas pelo grupo de 95 pessoas que participou de audiências de conciliação no ano passado, sendo que algumas estão com a DPRJ desde 2012. Segundo os dados apurados, 29,35% delas têm 70 anos ou mais; 18,48% tem entre 55 e 59 anos; e 16,3% estão no grupo dos 60 aos 69 anos. Juntas as três faixas etárias correspondem a 64,13% dos casos.
 
Além disso, 66% são do gênero feminino e 34% do masculino, sendo que 67% dessas pessoas são as únicas provedoras do lar. Sobre a renda mensal, 62% ganham mais de cinco salários mínimos no valor unitário de R$ 937, levando-se em consideração o valor vigente em 2017 e a soma do salário bruto, da renda complementar para quem tiver (como pensão e trabalho autônomo, por exemplo) e da ajuda financeira da família.
 
Em situação bastante grave, a maioria é do funcionalismo público federal, estadual e municipal (55 pessoas, ou seja, 68%), das quais 37 estão na ativa e 18 são servidoras e servidores inativos. Há, no grupo, agente da polícia federal, analista e técnico judiciário, militar, professora, enfermeira, auxiliar administrativo, aposentados, pensionistas e outros que, ao todo, fizeram negócio com 56 instituições financeiras (Bradesco, Itaú, Banco do Brasil, Santander e Caixa Econômica Federal destacam-se entre os mais procurados) e com outros 22 credores, recebendo a oferta de 1204 serviços.
 
Entres eles, 82,9% são referentes a crédito consignado; cartão de crédito; cartão de crédito consignado; empréstimo ou crédito pessoal; Crédito Direto ao Consumidor (CDC); cheque especial; e operações de renegociação de débito/dívida (acordo), sendo que o crédito consignado aparece em 41,8% dos casos e foi fornecido para esse quantitativo de pessoas por 508 vezes. Além disso, o índice de pessoas que não informaram como a dívida foi contraída é de 12,6%.
 
Atas das audiências de conciliação realizadas em 2017 também foram analisadas
 
A pesquisa também analisou as atas das audiências de conciliação realizadas em 2017 com a participação das 95 pessoas superendividadas que responderam ao questionário entre 2012 e o ano passado. Foram 123 procedimentos do tipo no total e 153 propostas em pauta, além de 306 modalidades de crédito apresentadas nas negociações como alternativa às dívidas.
 
Das propostas em pauta no ano passado, 61% foram favoráveis às pessoas assistidas pela Defensoria (o equivalente a 93 negociações) e 29% não foram, sendo que 1% ficou para análise posterior e em 9% dos casos não houve proposta. Além disso, a redução da dívida aconteceu em 38,71% dos casos de negociação exitosa (36 deles tiveram redução) e em 21 essa redução ocorreu por meio de desconto mediante pagamento das prestações na pontualidade. Também houve redução por meio de algum abatimento da dívida em 15 casos e 9,68% deles resultaram na liquidação da dívida por contrato encerrado.
 
A pesquisa revelou ainda que o valor nominal dos descontos no período foi, ao todo, de R$ 1.223.507,07 e que o percentual de descontos nas prestações, fornecidos pelas instituições financeiras, variou de 34% a 90%.
 
Serviço:
 
O Atendimento:
 
Na Comissão de Superendividamento do Nudecon é oferecido às pessoas superendividadas um tratamento que consiste na prestação dos seguintes serviços: aconselhamento técnico; educação financeira; ajuizamento de ações (quando for o caso); educação em direitos; e conciliação com os credores.
 
Quem deve procurar a Defensoria e como isso deve ser feito:
 
– Qualquer pessoa endividada pode procurar o atendimento da DPRJ ligando para o número 129 e agendando atendimento no Núcleo de Primeiro Atendimento da instituição mais próximo de sua residência ou, ainda, no próprio no Nudecon. Nesse primeiro contato será feita a análise da situação por uma defensora ou por um defensor e, se for caso de superendividamento, a pessoa será encaminhada para a Comissão.
 
Clique aqui e confira a pesquisa na íntegra.

Texto: Bruno Cunha



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