Vinte e cinco quilômetros separam Angra dos Reis, badalado balneário turístico da Costa Verde, de uma das últimas aldeias indígenas do estado do Rio, a Guarani Sapukai. Em uma reserva na localidade de Bracuhy, cerca de 90 famílias resistem a todas as formas de violações de direitos que a omissão do poder público e a condição de quase total invisibilidade proporcionam. Foi para conhecer a realidade dessa comunidade esquecida que a Defensoria Pública promoveu na quarta-feira (6) uma inédita audiência pública, atendendo a pedido do cacique Domingos Venite – ou Karaí Tataendy, em guarani. Falta de tudo um pouco: água potável e saneamento básico; medicamentos básicos no precário posto de saúde, que também não tem plantonistas e nem atendimento nos fins de semana; pré-escola, ensino médio e até mesmo professores e material didático em quantidade adequada na escola que atende à aldeia. 

São apenas duas salas de aula e não há formação dos professores indígenas, prejudicando a valorização da cultura local, uma ameaça real à preservação das tradições desse povo. As moradias também são precárias, abaixo do mínimo necessário para que se viva com alguma dignidade. Também faltam carros e dinheiro para a compra de combustível nas situações de emergência.

Todas as demandas foram apresentadas ao defensor público André Bernardes, coordenador da região, em roda de conversa organizada embaixo de uma árvore, espécie de ponto de referência da aldeia. Foram tantos problemas relatados que é difícil definir uma lista de prioridades: tudo é urgente. A começar pela própria identidade dos índios. Logo que nascem, são registrados com o nome em português. Tempos depois, recebem o nome em guarani, em cerimônia com o pajé cerca de um ano após o nascimento. Quando vão registrar seus nomes em guarani, muitas vezes já na vida adulta, ao emitirem a cédula de identidade, é preciso criar um segundo registro, usando o nome em português e o nome em guarani. O problema é que direitos adquiridos anteriormente, como bolsa família ou INSS, tornam-se nulos a partir dessa nova identificação. Uma das possibilidades apresentadas pelo defensor André Bernardes é que o nome em guarani seja adotado como uma espécie de nome social, para que eles possam ter ambos em seus registros e, assim, conservar todos os direitos.

Moradores de um dos principais polos turísticos do estado, os cerca de 400 índios da Sapucay fazem do artesanato sua principal fonte de renda. Tudo que é produzido na aldeia é vendido na cidade. Atividades tradicionais, como a caça, já não garantem a subsistência, pois os animais próprios para alimentação agora são disputados com o “homem branco”. Já a terra não é das mais apropriadas para plantio, o que obriga os índios a terem que recorrer aos mercados próximos e, consequentemente, a ter dinheiro, o que é escasso. O resultado é que a fome faz parte de suas vidas. Se centenas de anos atrás, muitos foram dizimados durante a exploração das riquezas do país, hoje a miséria é a grande ameaça à sobrevivência de um dos últimos povos indígenas remanescentes no estado do Rio de Janeiro.

 

Além da Aldeia Sapukai, o estado conta com mais quatro aldeias indígenas em Paraty e duas em Maricá, que também sofrem com problemas semelhantes. A melhoria da estrada que dá acesso à aldeia, com sua pavimentação, também foi pleiteada pelos indígenas da Costa Verde. A intenção de André Bernardes é promover ações semelhantes em toda a região, mas o desafio é grande. Além das peculiaridades jurídicas que os povos indígenas possuem, existem barreiras culturais a serem superadas, além da infinidade de demandas. 

Na audiência de quarta-feira, um representante do Ministério Público Federal (MPF) e outro da Fundação Nacional do Índio (Funai) estiveram presentes. André Bernardes também foi auxiliado pelos defensores Rodrigo Azambuja, que atua em Angra dos Reis, e Marcelo Leão, coordenador do Interior da Defensoria. A partir da publicação da ata da audiência no Diário Oficial, cada um dos casos apresentados será analisado, na busca por soluções administrativas e judiciais concretas para os povos da aldeia, respeitadas as esferas pertinentes – estado, município e União. “Agora, vamos trabalhar para alcançar as soluções”, assegura Bernandes. 

Atuação da Defensoria

Em junho de 2016, a Defensoria realizou uma ação social dentro da aldeia, em parceria com o Detran e o cartório local. À época, 25% da comunidade não tinham registro civil, um entrave na hora de buscar atendimento médico nos postos de saúde ou outros direitos. Assim como a audiência pública, a ação também nasceu de um pedido do cacique da aldeia ao defensor público André Bernardes. Sem condições de fazer tantas viagens e tampouco de compreender a burocracia que envolve o acesso à documentação, a solução foi levar a estrutura até os índios. Foram 325 atendimentos realizados, dos quais 103 emissões de carteiras de identidade, 15 certidões de nascimento, 123 ofícios e dois pedidos de reconhecimento de paternidade. Alguns desses também receberam orientação jurídica, totalizando 200 atendimentos.


Veja as fotos da audiência pública: https://goo.gl/WgQQBo
 
Texto: Thathiana Gurgel
Fotos: Fernanda Garcia
Edição: Débora Diniz



VOLTAR