A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) enviou ofício para várias instituições – entre elas a Polícia Civil, o Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) e o Conselho Regional de Enfermagem (Coren) – cobrando a efetiva apuração da morte da adolescente Rafaela Cristina Souza dos Santos, de 14 anos, após complicações decorrentes da gravidez e do atendimento que ela recebeu em quatro unidades de saúde. A medida anunciada no plenário da Câmara Municipal do Rio, em audiência pública sobre a mortalidade materna, é fruto de um procedimento instrutório (investigação)  iniciado pela Coordenação de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ com a constatação de que, após a morte da jovem, em 2015, nenhuma responsabilidade pelo óbito foi adequadamente apurada.

O levantamento apresentado na audiência pública, realizada no dia 29 de maio, resultou em relatório entregue à casa legislativa para o acompanhamento do caso e inclui depoimentos de familiares e de profissionais da área da Saúde, além de vasta documentação relacionada aos atendimentos médico e de enfermagem que Rafaela recebeu.

– Estamos acompanhando o caso desde o início e ajuizamos ação indenizatória para os familiares da Rafaela. Pedimos ao Ministério Público e à Polícia que analisem as responsabilidades criminais. Ao Cremerj, ao Coren e às secretarias estadual e municipal de Saúde, que apurem as ações dos profissionais da área. Ou seja, encaminhamos ofícios para todos os serviços de fiscalização com o objetivo de que analisem a história da adolescente e tragam respostas não só para que o caso seja esclarecido, mas também para que possamos, efetivamente, acabar com essa situação – destacou na audiência pública a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DPRJ, Arlanza Rebello.

Um dos agravantes apontados no relatório é de que o problema de pressão da Rafaela, “embora claramente visto ao longo da gravidez, foi negligenciado em todas as unidades de saúde pelas quais ela passou, levando-a à morte”, observa Arlanza.

Os ofícios também foram enviados para a Corregedoria Estadual de Saúde e para o Comitê de Mortalidade Materna. A Defensoria Pública aguarda a resposta dos órgãos e das demais instituições que receberam o documento.

Mortalidade materna em debate

O Dia Nacional de Combate à Mortalidade Materna, cuja data é 28 de maio, foi marcado pela realização da audiência pública de iniciativa da Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Mulher da Câmara de Vereadores com a participação da DPRJ. Além de representantes do Legislativo e das instituições integrantes do sistema de Justiça, representantes de organizações da sociedade civil também estiveram presentes no encontro presidido pela vereadora Marielle Franco

– A morte materna evitável é um problema de saúde pública mundial de tamanha relevância que a sua diminuição foi inserida como uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio e o Brasil não conseguiu alcançar o patamar estipulado, sendo ainda muito grande o número de mulheres que morrem todos os anos em razão desta – ressalta Arlanza Rebello.

– É de se notar que, no tocante à violência obstétrica, o Brasil foi condenado pelos organismos internacionais de direitos humanos face à ausência de medidas eficazes para a diminuição das inaceitáveis taxas de mortalidade materna que se constitui como uma das mais graves violações dos direitos humanos das mulheres, por ser uma tragédia evitável em 92% dos casos, uma vez que é causada por ação e/ou omissão daqueles que deveriam garantir o acesso à saúde e aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, impondo-se, desta forma, que situações como as vivenciadas por Rafaela Cristina Souza dos Santos e sua família sejam efetivamente esclarecidas – disse Arlanza.

Ela ainda lembrou do caso de Alyne da Silva Pimentel Teixeira, vítima de mortalidade materna aos 28 anos. Mãe de uma menina de 5 anos, ela morreu em 2014 ao ser atendida em unidades hospitalares pertencentes ou vinculadas ao sistema público de Saúde. “Diante da morosidade e da ineficácia demonstrada pelo Poder Judiciário brasileiro, o reconhecimento das violações perpetradas pelo Estado brasileiro se deu em âmbito internacional, perante o Comitê CEDAW, ocasião em que se afirmou que Alyne Pimentel foi vítima de morte materna evitável, problema integrante de um quadro de violência estrutural encontrado no Brasil e que deve ser reparado para que outras mulheres não venham a sofrer do mesmo mal.”

Mas a história se repetiu. Dessa vez, com Rafaela.

Texto: Bruno Cunha

Foto: Erick Magalhães



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