Antônio Carlos Sampaio da Silva (43) é puxador de samba enredo e trabalha como motorista terceirizado na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. Na madrugada do próximo sábado (25), no lugar de defensores ele vai conduzir  – no vocal – uma multidão no cumprimento da sua missão no Carnaval.
 
E o papel que ele ocupa no espetáculo da Avenida Marquês de Sapucaí não é pra qualquer um. É um papel para quem já nasce predestinado. Tem que ter um dom especial, uma energia vibrante, para levantar o ânimo e tocar o coração da massa. Nessa instituição da cultura popular, Antônio é diretoria. Bate palma aí, gente.  
 
Se tem nome de santo casamenteiro, no dia a dia é um mortal que circula a cidade na sua ocupação de motorista terceirizado. Há quase três anos, conduz defensores públicos na ações de fiscalização e no cumprimento das suas funções institucionais. Dirige o Ford Fiesta placa KZM 5178. Ele não batuca em serviço. 

Neste Carnaval 2017, Antônio será um dos intérpretes do samba enredo "Ossain - O poder da cura" da Unidos de Padre Miguel. A escola vai defender o título na série A, para ascender ao Grupo Especial. O intérprete oficial do samba, composto por Cláudio Russo e outros, é o Pixulé. Ao lado de Antônio Carlos estarão Sandro Mota, Anderson Bala, Cacau e Reginaldo. 

O enredo do samba da Unidos de Padre Miguel é dedicado ao poder de cura que existe nos elementos da natureza. É um chamado à língua e à cultura afrodescendente e aos seus saberes ancestrais acerca da natureza: “Êh katendê, lá na mata da Jurema/Kosi ewe kosi orixá Abô, abô/ Preto véio ensinou, hoje eu quero me banhar”.
 
Agita!Agita!

Este ano, Antonio Carlos também gravou vinheta para a Rádio Casa do Samba. Presença no Carnaval carioca há quase 25 anos, ele figura na relação dos 145 intérpretes de samba-enredo – de todos os tempos! – do Rio de Janeiro e de São Paulo, biografados pelo site Samba Rio.

É considerado um intérprete competente. Seu grito de guerra é: "Agita! Agita! 100% (nome da escola)!". Levou o Troféu Estandarte do Povo 2006 e 2008. Em parceria, compôs os sambas "1999, fim do século, recordar é viver" (Rocinha),  "Mistério e Magia no Sereno da Noite" (Sereno de Campo Grande, 2012) e "Na busca da paz, equilíbrio e harmonia" (Sereno, 2013). 
 
Nascido e criado na Cidade de Deus

Antônio Carlos Sampaio da Silva é nascido e criado na Cidade de Deus. O bairro foi planejado pelo Estado, na década de 1960, para receber moradores de comunidades removidas. Seus pais foram atingidos pela remoção da comunidade Macedo Sobrinho, em Botafogo.
     
É filho de dona Marilda e de Antônio Sampaio. Casado com Cláudia de Oliveira e pai do menino Eric Vinícius, de 4 anos. Mora na Cidade de Deus até hoje. Na infância, vivia dentro de casa.  

– Fui criado dentro de casa. Era de casa para a escola e da escola para casa. Eu era do tipo que soltava pipa no ventilador... Não sei jogar bola de gude nem rodar pião – conta Antônio divertindo-se consigo mesmo. 

Devido ao hábito de ver TV, aos 11 anos de idade ele encantou-se com o desfile das escolas de samba. O histórico desfile da Estação Primeira de Mangueira, em 1984, que levantou a Sapucaí com o samba-enredo "Yes, nós temos Braguinha", foi decisivo na escolha da sua escola do coração. No balancê balancê a verde-rosa do Jamelão conquistou o coração do garoto. 
 
Estréia no bloco Coroado de Jacarepaguá

Antônio Carlos estreou no carnaval aos 18 anos de idade, no bloco Coroado de Jacarepaguá, da Cidade de Deus. O sambista Maurício Amorim foi quem o levou para o bloco. Em 1992,  foi convidado por Rui Só para apoiar o sambista Ciganarey da Engenho da Rainha. Não sem antes Rui Só pedir autorização a dona Marilda para levá-lo a defender samba no subúrbio. 

Em 1994, foi o intérprete oficial da Engenho da Rainha. Seu histórico de intérprete inclui ainda Mocidade Unida de Jacarepaguá, Vizinha Faladeira, Santa Cruz, Renascer de Jacarepaguá, Porto da Pedra, Rocinha, Sereno de Campo Grande, Em Cima da Hora e Império da Tijuca.    

O Nando, sambista da Em Cima da Hora, foi um dos incentivadores da sua carreira. Dentre os seus intérpretes preferidos, Antônio cita Neguinho da Beija Flor, Aroldo Melodia; e Carlinhos de Pilares. Mas o seu ídolo pessoal é outro. 
 
– O Rixxa é uma referência para mim. Eu o considero um dos melhores. Canta muito! – revela Antônio Carlos, em entrevista livre que aconteceu na sala do setor Transporte, na sede administrativa, às vésperas do Carnaval 2017. 
 
Com a mão no volante

O intérprete da Unidos de Padre Miguel ganha a vida ao volante. Antes de tornar-se motorista da DPRJ, foi motorista particular freelancer. Também trabalhou com inspeção e manutenção na CCR Barcas.  Apesar de toda a dedicação e envolvimento, o samba é ofício que exerce por chamado do coração. 

– Eu nunca vivi de samba, declara.

Antônio Carlos não vive de samba. Mas no samba vive. 



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