O Núcleo da Diversidade Sexual e dos Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) vai intensificar a atuação junto à Justiça Itinerante, projeto cujo responsável é o Tribunal de Justiça do Rio, para a obtenção de decisões favoráveis à alteração do nome social das pessoas trans. Em decorrência dos bons resultados obtidos em algumas ações para lá levadas desde novembro, a instituição vai direcionar todos os demais procedimentos com o mesmo pedido aos magistrados em atuação no ônibus que percorre o Estado.

A iniciativa anunciada na mesa redonda “Atendimento da População Trans nas Ações de Mudança de Nome e Gênero”, nesta segunda-feira (30), visa à obtenção de sentenças favoráveis de forma rápida e sem o constrangimento atualmente enfrentando pela população trans nas varas de Família e de Registros Públicos, onde muitas ações correm. Nesses órgãos do Judiciário, os magistrados exigem perícias médicas e até mesmo a realização de cirurgia para só depois proferir uma sentença concedendo ou não a alteração de nome ou de gênero.

– Os processos são muito lentos: demoram até quatro ou cinco anos para que se chegue à retificação de uma certidão de nascimento. E tem uma perspectiva muito degradante da pessoa durante o seu trâmite, muitas vezes submetida à perícia psiquiátrica, médica, anatômica. E em muitos casos o Judiciário não concede a retificação do sexo porque a pessoa não fez cirurgia. A gente sabe que no Brasil não há atendimento cirúrgico para o país inteiro e que no Rio só o Hospital Universitário Pedro Ernesto, em grave crise, faz esse tipo de procedimento. Em tese, uma cirurgia deveria ser feita por mês e este ano nenhuma aconteceu – destaca a coordenadora do Nudiversis, Lívia Casseres.

Idealizadora da mesa redonda, ela também ressaltou a importância do Relatório sobre as Ações de Requalificação Civil, desenvolvido pela diretora de Estudos e Pesquisa de Acesso à Justiça da DPRJ, Carolina Haber. O mapeamento foi realizado nos 170 processos da matéria encontrados e distribuídos entre 2010 e 2016, sendo que 60 deles (40,6%) foram sentenciados até agosto de 2016.

– Fizemos um estudo sobre as ações ingressadas pela Defensoria e mapeamos o andamento dessas ações para entender quais eram os pontos de bloqueio. E são três os principais: a questão da competência para processar e julgar os pedidos, pois o Judiciário discute se a competência é da vara de Registros Públicos ou da Vara de Família e isso atrasa muito o processo. Outro ponto é o laudo: a Defensoria apresenta o laudo de sua equipe técnica e, mesmo assim, juízes pedem perícias que demoram muito tempo. E o terceiro é a exigência da cirurgia – resume Carolina Haber.

A pesquisa ainda revela que, dos 69 processos sentenciados, 60 são de mulheres trans e só nove de homens trans; que 56 correram nas varas de Família e 13 nas de Registros Públicos; e que 447 dias foi a média de duração dos processos com sentença de procedência ou de procedência em parte, excluídos os que tiveram declínio de competência.

– Pedimos o ingresso como Amicus Curiae nas duas ações que correm no Supremo Tribunal Federal e que discutem essa questão. Participando dessas ações, poderemos levar informações sobre a matéria e também a representatividade das pessoas trans e dos movimentos sociais para que se manifestem no supremo, fazendo com o que o Estado pare de resistir a essas pretensões. Não faz sentido o Estado se opor, em uma ação judicial, a pessoas quer simplesmente buscam a existência plena. O direito ao nome das pessoas trans tem encontrado muitas barreiras e, mais do que isso, é um absurdo ter de recorrer ao Judiciário para fazer a retificação do nome e do sexo na certidão de nascimento, o que é uma situação que suprime a dignidade – observou o defensor público da União Pedro Rennó Marinho.

Também integrante da roda de conversa, ele lembrou que a DPU pediu providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é o órgão com competência para estabelecer um procedimento unificado de registros, para que haja a dispensa da cirurgia e de qualquer outro procedimento médico voltado à alteração do nome ou do gênero. O pedido de providências está suspenso até que o STF profira o seu posicionamento a respeito da matéria nas duas ações em trâmite na corte.

– Enquanto o Brasil não reconhece uma lei de identidade de gênero, infelizmente o Estado continua sendo o grande violador de direitos humanos das pessoas trans porque, ao mesmo tempo em que não sanciona uma lei que reconheça as pessoas trans, a identidade de gênero, o seu modo de se portar, a sua personalidade, ele também está praticamente dizendo para a sociedade que aquelas pessoas não existem. E isso, de maneira geral, tem um efeito que vai se desdobrar nas mortes e nos assassinatos, nas dificuldades que a pessoas trans têm de ter acesso ao emprego, de ter acesso aos bens econômicos – alerta Alessandra Ramos, coordenadora nacional do Fórum Nacional de Pessoas Trans (Fonatrans).

Jornalista, autor do livro “Casamento Igualitário” e assessor do deputado federal Jean Wyllys, Bruno Bimbi contou sobre a experiência dele na Argentina, onde foi dirigente da Federação Argentina LGBT, organização que conseguiu a aprovação das leis de casamento igualitário e de identidade de gênero.

– Estou no Brasil há mais de sete anos e o que vejo aqui é a situação então existente na Argentina há alguns anos atrás. Antes da aprovação da lei, as pessoas trans da Argentina também viviam essa duplicidade: eram chamadas por um nome diferente do nome registrado em seus documentos. Isso gerava uma série de constrangimentos em várias situações: no consultório médico, quando apresentavam seu currículo para um vaga de emprego, quando iam votar. E com a aprovação da lei isso começou a mudar. 

Também participou da mesa redonda o representante do Instituto Brasileiro de Transmasculinidades (Ibrat), Leonardo Peçanha.



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