Com escuta ativa, atendimento individualizado e entrega de chocolates, cada adolescente da unidade socioeducativa Cense Dom Bosco, na Ilha do Governador, participou, nesta terça-feira (2), da primeira ação do projeto “Cuida Cdedica”. A iniciativa, da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), tem o objetivo de ampliar a escuta, o acolhimento e a garantia de direitos para adolescentes em privação de liberdade no Estado do Rio.

A proposta é direta e essencial: ouvir quem quase nunca é ouvido. Durante toda a manhã, os adolescentes responderam a um questionário que integra uma avaliação de rotina criada para identificar, com precisão, se os direitos básicos estão sendo garantidos e, quando houver violações, permitir uma atuação imediata da Defensoria Pública.

As perguntas, realizadas presencialmente pelos 10 Defensores e Defensoras Públicas que participaram da ação, abordam desde informações básicas, como nome e idade, até aspectos essenciais do cotidiano: qualidade da alimentação, frequência escolar, acesso a cursos profissionalizantes, atendimento médico e uso de medicamentos, condições dos alojamentos e da higiene, acesso à água potável e gelada, atendimentos de saúde mental e odontológico, além de possíveis situações de violência ou conflitos internos.

— A ação busca trazer maior tranquilidade aos adolescentes, especialmente neste período de fim de ano, quando cresce a ansiedade pela substituição da medida. O pontapé inicial deste projeto foi justamente levar o atendimento da Defensoria para dentro da unidade socioeducativa — afirma o Defensor Público Alexandre Paranhos, Titular da 4.ª DP de Defesa da Criança e do Adolescente.

A atuação da Defensoria Pública inclui também a unificação de processos e a busca por maior celeridade nas deliberações judiciais. Além da avaliação interna, o projeto impacta diretamente o andamento dos processos, evitando que adolescentes permaneçam internados por tempo superior ao necessário devido à fragmentação das ações, realidade que ainda gera atrasos nas decisões.

— Com o questionário, conseguimos verificar as condições das instalações, se eles estão frequentando a escola e os cursos, se há violência institucional, como estão os alojamentos. Esse atendimento exclusivo preserva a identidade dos adolescentes, deixando-os mais à vontade para denunciar qualquer situação de violência, com mais humanidade e sem medo de represálias. Acreditamos que essa estratégia facilitará a identificação dos problemas, e nossa intenção é ampliá-la para outras unidades — explica a Defensora Pública Marisa da Fonseca Monteiro, do Cdedica e Titular da unidade.

Com a sistematização das informações e o acompanhamento contínuo, a atuação da DPRJ contribui para que as análises do Ministério Público e do Judiciário sejam mais ágeis e completas, assegurando que cada jovem tenha sua situação processual revisada de forma adequada e no tempo certo. A maior parte dos adolescentes atendidos tem 17 anos, embora a legislação permita sua permanência na unidade até os 21.

Milton, de 17 anos, comemorou a notícia de que, com a atuação da Defensoria Pública, poderá deixar a unidade e passar o Natal com a família.

— Estou feliz que vou sair agora, principalmente porque vou ser pai daqui a 14 dias. Estou disposto a começar uma nova vida, sem cometer crimes, pensando no futuro da minha filha — disse o adolescente.

A Subcoordenadora da Cdedica, Defensora Pública Maria Isabel Saboya, reforça que o mapeamento das dificuldades enfrentadas pelos jovens é fundamental para sua reinserção social.

— O trabalho é de apoio e prevenção. Nosso objetivo é identificar as vulnerabilidades para que, quando retornarem ao convívio social, não voltem para cá — e, ao completarem a maioridade, não ingressem no sistema penitenciário. Pensar esse projeto é pensar política pública e prevenção — pontua.

Ela destaca ainda o contraste entre sua experiência no sistema penitenciário e a realidade da socioeducação:

— Além da necessidade de uma atuação humanizada, lidamos com trajetórias marcadas por vulnerabilidade extrema: desamparo familiar, falta de assistência da rede, evasão escolar por dificuldades financeiras, desigualdades muito latentes. Percebemos que a grande razão para esses meninos estarem aqui é a ausência de perspectiva do lado de fora. O projeto nos permite mapear essas dificuldades para construir políticas públicas de prevenção realmente efetivas — conclui.

Texto: Rafaela Jordão
Fotografo: Ronaldo Junior 



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