Moradores da Penha buscaram, na manhã deste sábado (15), atendimento no CIEP Gregório Bezerra após os impactos da operação policial realizada no dia 28 de outubro. A Defensoria Pública do Estado do Rio (DPRJ) esteve no local realizando a primeira ação do projeto “Defensoria Ativa”, oferecendo orientação jurídica, escuta qualificada e apoio à saúde mental, em uma iniciativa voltada ao atendimento integral da comunidade.

Durante todo o dia, Defensoras Públicas, psicólogas voluntárias, assistentes sociais e equipes técnicas trabalharam juntas para oferecer ajuizamento de ações, encaminhamentos socioassistenciais e, principalmente, um espaço de escuta sensível para quem atravessou momentos de medo, insegurança e perda nas últimas semanas.

Entre os atendimentos, foram identificadas situações que extrapolavam o campo jurídico. Foi o caso de Márcia Regina, que buscou regularizar pendências após a morte do pai de seus quatro filhos. Na conversa com assistentes sociais e psicólogos, surgiu um diagnóstico que ela mesma não havia conseguido nomear: o impacto emocional profundo nas crianças ao longo dos últimos anos.

– O trauma de perder o pai desencadeou sofrimento emocional nas filhas de Márcia, e isso ninguém tinha identificado antes. As meninas estavam com dificuldade na escola, mais caladas. Elas já eram atendidas por vários serviços, mas nenhuma instituição tinha ligado os pontos. Aqui, escutando com calma, conseguimos perceber isso e orientar os encaminhamentos para a Clínica da Família, Capsi e Cras. Às vezes a Defensoria impede a judicialização da vida justamente porque consegue olhar a totalidade da situação – explicou a assistente social da Ouvidoria-Geral da DPRJ, Lidiane Helena.

Para a Defensora Pública Mirela Assad, coordenadora da COGPI e responsável pela ação, esse cuidado integral é essencial em um território tão impactado nos últimos dias.

– Estamos ofertando um atendimento qualificado para pessoas vitimadas pela violência da última operação. Os danos diretos vão desde perda de entes queridos até invasão de domicílio ou apreensão de documentos. Mas o dano indireto, o trauma, o medo, a ruptura da rotina, é gigantesco e muitas vezes invisível. Por isso, psicólogos voluntários, o NUDEDH e o POMAR estão aqui hoje – afirmou a Defensora.

Neste sentido, Mirela Assad reforçou que o compromisso do projeto é olhar para o todo, entender o contexto e garantir que cada pessoa seja atendida de forma humana e completa. 

– Essa é a proposta do Defensoria Ativa: estar presente, escutar e construir caminhos reais de acesso a direitos –  afirmou a Defensora.
 

Nós em Roda: quando o território encontra espaço de acolhimento

Um dos momentos mais marcantes veio do “Nós em Roda”, atividade conduzida pelo Polo de Mediação e Ações Restaurativas (POMAR). Em círculo, moradores compartilharam medos, memórias e caminhos de reconstrução.

– A idéia é que possamos cuidar do que dói, celebrar o que sustenta e fortalecer o senso de comunidade. O Nós em Roda cria um espaço de escuta e conexão. As pessoas conseguem falar dos impactos da violência, mas também construir projetos de futuro, pensar estratégias de cuidado coletivo. É um espaço para restaurar, acolher e reforçar pertencimento – disse a Defensora Larissa Davidovich, uma das facilitadoras da atividade e subcoordenadora do POMAR.

A roda reuniu cerca de 15 pessoas, de 15 a 80 anos, e a conversa acompanhou a necessidade do grupo. Para a Defensora Ana Rosenblatt, coordenadora do POMAR, era nítido que a comunidade precisava falar.

– As pessoas estavam precisando muito falar sobre o que viveram recentemente. Conversamos sobre o que é morar na Penha e sobre os desafios das últimas semanas. Os participantes trouxeram coisas que não tinham conseguido dizer em nenhum outro lugar. No final, falaram sobre o que tem sustentado cada um nesse período tão difícil,  família, fé, e a importância da coletividade. Pessoas que, na chegada, se diziam confusas e cansadas, saíram mais leves e relaxadas – destacou a Defensora.

Foi nesse espaço que Emerson Maurício, 45 anos, morador da Penha há quase meio século, encontrou algo que não esperava.

– Eu moro aqui há anos e nunca vi um negócio desse. Vim só buscar uma cesta básica, nem sabia que a Defensoria estava aqui. Quando cheguei, entrei na roda. Foi muito bom conversar sobre a nossa rotina, sobre o que estamos sentindo. Gostei muito do que a Defensoria fez, saí mais leve – disse Emerson.

Ao longo das seis horas de atendimento, mais do que resolver processos, regularizar documentos ou encaminhar demandas, a Defensoria buscou oferecer algo que há muito é reivindicado pelos moradores: presença, acolhimento e escuta qualificada.

– Essa comunidade vem sendo profundamente vulnerabilizada. No final da roda, as pessoas pediram mais encontros. Isso diz muito sobre a necessidade de espaços de acolhimento como esse – finalizou a Defensora Ana Rosenblatt.



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