DPRJ garante tratamento psiquiátrico para adolescente em risco

Em plena campanha do Setembro Amarelo, dedicada à prevenção do suicídio, uma decisão liminar do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reafirmou a urgência de garantir o acesso integral à saúde mental de jovens e adolescentes. A medida foi determinada após recurso da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), que demonstrou a gravidade do caso de uma adolescente de 13 anos, em situação de vulnerabilidade e com quadro severo de depressão, ideação suicida e automutilação.
Na primeira instância, a Justiça havia negado a tutela de urgência, alegando que o acompanhamento psicológico em curso seria suficiente. O entendimento, contudo, desconsiderou o risco iminente à vida da adolescente e ignorou o laudo técnico que recomendava avaliação psiquiátrica imediata para considerar suporte medicamentoso associado à psicoterapia. A decisão inicial criou uma falsa dicotomia entre tratamento psicológico e psiquiátrico, quando, na realidade, neste caso, ambos são complementares e indispensáveis.
O recurso foi elaborado pela Defensora Pública Renata Jardim da Cunha Rieger, atuante em Paraty, e fortalecido por uma ação conjunta com a Subcoordenadoria de Saúde (COSAU) e o Nono Núcleo Regional de Tutela Coletiva.
— O caso chegou à Defensoria e gerou grande preocupação diante da problemática da saúde mental de uma adolescente que necessitava deste acompanhamento. O trabalho integrado e estratégico com a COSAU e a Tutela Coletiva foram muito importante para que houvesse êxito na decisão e o devido acompanhamento da menina — afirmou a Defensora Renata Jardim da Cunha Rieger.
A estratégia se mostrou decisiva. No dia 26 de setembro, o desembargador relator da Sexta Câmara de Direito Público junto a Defensora Pública Viviane Bezerra Levy Lizardo, deferiu a antecipação de tutela recursal e determinou que o Estado e o município providenciassem consulta psiquiátrica infantil em até 48 horas. Caso a rede pública não tivesse disponibilidade, a decisão autorizou o custeio do atendimento em clínica particular, com sequestro de verba pública, se necessário.
Saúde mental em números e limites da rede
O caso evidencia um problema estrutural. Estudos recentes indicam que entre 12,7% e 23,3% das crianças e adolescentes brasileiros apresentam algum tipo de transtorno mental, sendo que de 3% a 4% necessitam de tratamento intensivo. Transtornos como ansiedade, depressão, hiperatividade, problemas de comportamento, autismo e psicose infantil estão entre os mais recorrentes. Globalmente, estima-se que 15,8% da população infantojuvenil viva com algum transtorno mental – e, no Brasil, as taxas variam de 7% a 12,7%, crescendo conforme a idade.
Apesar dos avanços históricos na política de saúde mental, o país ainda enfrenta desafios. Em Paraty, por exemplo, a atenção psicossocial conta apenas com um CAPS I, que deve atender tanto adultos quanto crianças e adolescentes. As normativas do SUS estabelecem que a equipe mínima de cada CAPS seja capaz de realizar 30 atendimentos diários, com participação de médico em saúde mental – incluindo psiquiatras que não podem excluir a população infantojuvenil do atendimento. Quando a demanda extrapola esses parâmetros, cabe à autoridade sanitária contratar mais profissionais, sob pena de comprometer a efetividade do serviço.
Esse panorama reforça que o atendimento psicossocial é, por definição, multidisciplinar. O acompanhamento psicológico, ainda que essencial, não substitui a necessidade de avaliação psiquiátrica e de integração com outros profissionais. A ausência dessa articulação não apenas viola diretrizes técnicas, como expõe jovens em situação de vulnerabilidade a riscos graves.
A Urgência e a política pública
A decisão do tribunal, ao assegurar consulta com psiquiatra infantil, cumpre um papel emergencial, mas também lança luz sobre a necessidade de políticas públicas que ultrapassem o caráter reativo. O aumento de casos de depressão e automutilação entre adolescentes exige a expansão dos CAPS infantojuvenis (CAPSi), a integração intersetorial e o fortalecimento de ações comunitárias e de promoção da saúde mental.
A liminar simboliza a reafirmação do direito à vida e à dignidade como valores centrais da política de saúde. Em meio ao Setembro Amarelo, o episódio em Paraty é um lembrete de que a prevenção do suicídio e o cuidado com o sofrimento psíquico grave na infância e adolescência não podem depender apenas de decisões judiciais isoladas – precisam de investimento contínuo, planejamento e compromisso do poder público.
Texto: Leonardo Fernandes
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