Evento marca os 35 anos da Chacina de Acari e reforça aliança histórica entre as Mães e a Instituição

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), por meio de sua Ouvidoria Externa, sediou nesta terça-feira (30) uma reunião de fortalecimento do grupo remanescente das Mães de Acari, que há 35 anos lutam por justiça diante do desaparecimento forçado de seus filhos. O encontro marcou a formalização da Associação Movimento Mães de Acari, em um momento simbólico de reconhecimento institucional e fortalecimento da memória coletiva.

Realizado na sede administrativa da DPRJ, o evento reuniu representantes do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), do Conselho Nacional e do Conselho Estadual de Direitos Humanos, além de familiares de vítimas e do ex-Ministro dos Direitos Humanos e atual membro do Comitê da ONU sobre Desaparecimentos Forçados, Paulo Vannuchi. A abertura contou com uma roda de conversa sobre os "Desafios Contemporâneos para o Enfrentamento do Desaparecimento Forçado no Brasil", reforçando a importância do tema na agenda de direitos humanos.

O Movimento Mães de Acari surgiu em 1990, após o desaparecimento de 11 jovens sequestrados por um grupo de extermínio em um sítio no município de Magé, Baixada Fluminense. Desde então, mães e familiares seguem mobilizados cobrando respostas do Estado. Os corpos jamais foram encontrados e, mesmo após mais de três décadas, a maioria das famílias ainda não obteve o direito à emissão das certidões de óbito de seus entes desaparecidos.

– Sabemos da responsabilidade que o Estado tem na proteção de seus cidadãos. Pensando em contribuir com esse dever, a Defensoria Pública continuará promovendo encontros como este, que reafirmam nosso compromisso de manter as portas sempre abertas especialmente quando se trata de cuidado. Um dos princípios da Ouvidoria é justamente refletir sobre esse processo de quem cuida e de quem está cuidando de todos. Infelizmente, sabemos que a dor dessas mães não cessa, mas estaremos sempre juntos – ressaltou a Ouvidora-Geral da Defensoria, Fabiana Silva. 

Após anos de negligência do Estado brasileiro, que falhou em investigar e responsabilizar os autores da brutalidade, foi necessário recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) para que o caso ganhasse reconhecimento internacional. Em dezembro de 2024, a Corte emitiu uma sentença histórica responsabilizando o Estado brasileiro não só pelos desaparecimentos de 1990, mas também pelos assassinatos, em 1993, de duas integrantes do movimento que denunciavam a participação policial nos fatos. A decisão reconheceu graves violações aos direitos à vida, à liberdade, à integridade pessoal e ao reconhecimento da personalidade jurídica das vítimas, além de dimensionar o impacto devastador sobre suas famílias.

Durante a reunião, a Defensora Pública Fernanda Lima, do Nudedh, também destacou o papel central das Mães de Acari na construção dessa conquista histórica:

 — Esse movimento é crucial para destacarmos que foram vocês, as Mães de Acari, que conseguiram essa vitória. O Estado brasileiro, nas oportunidades que teve, falhou. O caso precisou chegar até uma corte internacional para que alguma justiça fosse feita. A Defensoria Pública e a Ouvidoria Externa estão de portas abertas, não apenas para buscar reparações, mas para acolher e acompanhar o movimento em todas as suas necessidades. A Defensoria é uma instituição de acesso à justiça e continuará ao lado de vocês na consolidação dessa decisão – disse a coordenadora do Nudiversis.
 

Confiança na Defensoria

A confiança das Mães de Acari na Defensoria Pública foi construída ao longo de décadas de resistência e diálogo. A Instituição permanece como parceira fundamental na luta contra o desaparecimento forçado e pela efetivação de políticas públicas que garantam memória, verdade e justiça.

— Precisamos ressaltar a luta das Mães de Acari, que nos inspira e, infelizmente, não é um caso isolado no Brasil. Lembrar dessa chacina é também lembrar de tantos outros desaparecimentos forçados, como o de Rubens Paiva. A luta heroica dessas mães, agora formalizada por meio de sua associação, representa um marco na história da busca por justiça no país – afirmou o ex-Ministro Paulo Vannuchi.

Na assembleia realizada durante o encontro, foi oficializada a fundação da Associação Movimento Mães de Acari, um passo fundamental para fortalecer institucionalmente a atuação do grupo, ampliar sua voz e garantir que a memória das vítimas siga viva como instrumento de mobilização.

— Ele tinha 17 anos, ia completar 18 na semana seguinte. Já estava tudo encaminhado para o quartel. Foi a um passeio no sítio com amigos e nunca mais voltou. Nunca mais apareceu, vivo ou morto. Nós lutamos muito durante todos esses anos para que a memória do meu filho e de tantos outros não fosse esquecida – relatou com dor Ana Maria da Silva de Jesus Braga, mãe de Antônio Carlos da Silva, uma das vítimas.

Texto: Rafaela Jordão 



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