DPRJ, DPU e MPF contestam lei que permite internação compulsória

A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ), em conjunto com a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), divulgou uma nota técnica contra a Lei nº 3.997/2025, sancionada pelo município de Niterói (RJ). Para as instituições, a nova legislação é inconstitucional por permitir a internação sem consentimento, contrariando as garantias constitucionais e a excepcionalidade prevista na Lei nº 10.216/2001.
Assinado pelo defensor público federal Thales Arcoverde Treiger, pela defensora pública estadual Cristiane Xavier de Souza e pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão adjunto Julio Araújo, o parecer destaca que o chamado “acolhimento sem consentimento” equivale a uma internação involuntária, violando os incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal, ao privar o indivíduo de sua liberdade sem o devido processo legal. A norma também invade competência legislativa federal, desrespeita os critérios rigorosos da Lei Antimanicomial, e contraria diretrizes internacionais e jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao reintroduzir práticas segregacionistas já condenadas.
O parecer reforça que o sofrimento psíquico e o uso problemático de substâncias químicas devem ser tratados como questões de saúde pública, e não de segurança pública. A resposta deve estar na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), estruturada com base na Lei Antimanicomial e composta por serviços como os CAPS, unidades de urgência e emergência (SAMU, UPAs), residências terapêuticas e hospitais de curta permanência, com foco na atenção comunitária, reabilitação e desinstitucionalização.
Cristiane Xavier, coordenadora do Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ, alerta que o problema do aumento da população em situação de rua é anterior à pandemia de Covid-19 e decorre, sobretudo, da ausência de políticas públicas eficazes – como apontado na ADPF 976/22, em julgamento no Supremo Tribunal Federal.
– Esse crescimento urbano precede a pandemia e evidencia uma invisibilidade seletiva da sociedade. Uma lei que exclui, e que muitas vezes é contra as ideias da reforma psiquiátrica, não vai trazer os resultados esperados em apenas 90 dias. Nossa maior preocupação é garantir que a lei contra manicômios seja cumprida, e também a decisão do ministro Alexandre de Moraes — afirmou a defensora.
As instituições também alertam para a falta de clareza da lei municipal sobre os locais onde ocorreriam as internações, aumentando o risco de retorno a instituições asilares, vetadas pela legislação federal. O documento adverte:
“A lei federal exige que internações ocorram apenas em hospitais gerais ou unidades habilitadas para o cuidado integral do paciente. A omissão quanto aos espaços previstos na lei de Niterói sugere um possível retrocesso institucional”.
Outro ponto de preocupação é que a nova lei abre espaço para práticas higienistas, ao apresentar soluções imediatistas frente a um cenário que já dispõe de um robusto arcabouço normativo para o cuidado em saúde mental, inclusive no atendimento à população em situação de rua.
Em Niterói, dados do IBGE apontam a existência de 740 pessoas em situação de rua, das quais 131 apresentam comprometimentos de saúde mental.
– É necessário fortalecer a estrutura já existente, como os Consultórios de Rua, os serviços da Saúde e dos CAPS, além de reavaliar as condições dos equipamentos públicos de acolhimento – destaca a defensora Cristiane Xavier.
Texto: Leonardo Fernandes
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