DPRJ atua em júri que condenou réus pela morte do congolês Moïse
"Meu filho vai finalmente poder descansar em paz", sussurrou, aliviada, a congolesa Dona Ivone. Sentada em um canto na gelada sala do 1º Tribunal do Júri da Capital, pode ouvir o juiz anunciar a aguardada sentença de um dos julgamentos mais emblemáticos e complexos dos últimos anos: o caso do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe. Após três anos desde o crime, os réus Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca e Fábio Pirineus da Silva foram sentenciados — Aleson a 23 anos, sete meses e 10 dias de prisão, e Fábio a 19 anos, seis meses e 20 dias.
No dia 24 de janeiro de 2022, Moïse, congolês de 24 anos, foi espancado até a morte no quiosque Tropicália, localizado na altura do Posto 8 da praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ao longo do júri popular, que começou na quinta-feira (14) e durou dois dias, a Defensoria Pública do Rio atuou como assistente de acusação ao lado do Ministério Público. Os defensores públicos do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), Gislaine Kepe e Pedro Carriello, além da coordenadora de Promoção da Equidade Racial da DPRJ, Luciana Mota, foram peças-chave no acolhimento e na representação da família no julgamento.
Durante a sessão, os promotores do Ministério Público do Rio demonstraram que Moïse foi agredido com um taco de beisebol, socos, chutes e tapas. Eles apontaram que os denunciados agiram "com vontade livre e consciente de matar, em comunhão de desígnios e ações entre si". O motivo fútil ficou caracterizado pelo fato de as agressões terem começado após uma discussão com um funcionário do estabelecimento.
O laudo da perícia apontou que a causa da morte foi traumatismo no tórax com contusão pulmonar. Havia também sinais de hemorragia e aspiração de sangue, além de dez marcas dos golpes feitos com o taco de beisebol.
O júri também foi marcado por falas potentes dos defensores públicos. Pedro Carriello relembrou o preconceito e desrespeito que Moïse sofria no local onde trabalhava. Ele era conhecido como "o angolano", o que, na visão do defensor, representava um claro desrespeito à sua etnia e história. Moïse era congolês e veio para o Brasil em busca de refúgio e acolhimento.
— Moïse não agrediu ninguém. É necessário que haja condenação. É a prova. O povo africano canta para espantar a miséria. O Brasil carnavaliza para espantar a pobreza. São etnias e religiões diferentes. O povo africano entende que a morte de Moïse não se dá só no campo carnal. Por isso, precisamos fazer justiça para que Moïse possa viver no plano espiritual — disse Carriello.
A defensora pública Luciana Mota também fez uma sustentação emocionante, recordando as questões raciais e de discriminação envolvidas no assassinato.
— Eu não posso vir aqui na frente dos senhores e afirmar que Moïse morreu porque era negro, mas posso afirmar que os réus se sentiram confortáveis para fazer o que fizeram porque Moïse era um homem negro, pobre e africano — declarou Luciana.
A sentença
Ao ler a sentença, após dois dias de julgamento, o juiz Thiago Portes, que presidiu o júri, destacou o fato de Moïse ter sido morto no país onde ele e sua família buscaram apoio e abrigo após fugirem da guerra na República Democrática do Congo:
— A morte da vítima gerou comprovados abalos de ordem psicológica e psíquica nos familiares, notadamente na genitora e no irmão, oriundos da República Democrática do Congo. Eles se evadiram da guerra, dos conflitos armados existentes em seu país, com a legítima expectativa de encontrar uma vida minimamente digna no Brasil. Fugiram da guerra, mas encontraram, em um país que se diz acolhedor, a crueldade humana e mundana, que ceifou a vida de seu filho e irmão — declarou o juiz.
Justiça para a família
A família do congolês acompanhou o julgamento durante os dois dias. Para Dona Ivone, mãe da vítima, não foi fácil reviver a dor da perda e os fatos que levaram ao trágico assassinato de seu filho. Em diversos momentos, Ivone se retirou da sala, por não aguentar acompanhar o sofrimento que Moïse passou.
— Foi muito difícil acompanhar tudo o que aconteceu, eu não tinha visto as cenas que eles mostraram. Meu filho sofreu muito. Hoje meu coração está tremendo. Estou muito feliz com o dia de hoje, com a justiça feita hoje — afirmou Ivone após ouvir a sentença.
Maurice, irmão da vítima, acrescentou que a condenação repara a imagem de Moïse. Hoje em dia, Maurice administra, junto com a família, um quiosque em homenagem a Moïse no Parque de Madureira, na Zona Norte do Rio. O projeto, realizado pela Prefeitura do Rio em parceria com a Orla Rio, foi uma maneira de oferecer uma oportunidade de negócio para a família empreender e transformar o espaço em um polo da cultura do Congo na cidade.
— Tivemos uma resposta que esperávamos há três anos: Moïse não era um bêbado, não era um drogado. Ele era um trabalhador da África, do Congo, que veio buscar uma vida melhor no Brasil e foi morto como se fosse um animal. Isso não pode acontecer. Pessoas assim não podem viver em sociedade. Elas precisam ficar na cadeia, não entre nós — disse Maurice.
Texto: Jéssica Leal.
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