O Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) aprovou, nesta segunda-feira (9), uma nova redação para a Súmula 70, atendendo parcialmente a um pedido da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ). O texto atualizado estabelece que os depoimentos de agentes policiais somente podem embasar a condenação de réus quando em coerência com as demais provas apresentadas no processo criminal.

Requerente do pedido desde 2018, a DPRJ buscava inicialmente o cancelamento da súmula, editada em 2003, e — de forma subsidiária  — sua revisão. O texto original da Súmula 70 dizia que "o fato da prova oral se restringir a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação”. Com a mudança, passou a constar que "o fato de a prova oral se restringir a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes autoriza a condenação quando coerente com as provas dos autos e devidamente fundamentada na sentença”.

A decisão, embora não alcance o pedido de cancelamento, é um avanço na busca por julgamentos mais justos e fundamentados.

Em parceria com o GENI/UFF, a DPRJ realizou um estudo sobre os impactos da Súmula 70 no julgamento de processos criminais. Intitulada "Possíveis Impactos da Súmula 70/TJRJ na Gestão das Provas e no Julgamento de Processos Envolvendo Delitos da Lei de Drogas no Estado do RJ", a pesquisa analisou dados de 2019 e 2023, com foco em casos de tráfico de drogas julgados pelo TJRJ.

A pesquisa revelou que, nos processos analisados em que houve aplicação da Súmula 70, 88,76% dos condenados eram do sexo masculino e negros. Esses números ilustram como a aplicação da Súmula contribui para reproduzir desigualdades raciais, especialmente no contexto de delitos relacionados à Lei de Drogas.

Para a coordenadora de defesa criminal da DPRJ, defensora Lúcia Helena de Oliveira, a alteração do texto é um marco significativo. 

– A Súmula tem 21 anos, e há duas décadas lutamos por um novo horizonte nesse tema. Embora o pedido inicial fosse pelo cancelamento, conseguimos um avanço. Temos um marco que deverá ter como consequência uma mudança de cultura nos julgamentos.  Neste sentido, vamos precisar monitorar os julgamentos para garantir que nossos assistidos tenham decisões mais justas, e, que estas decisões observem todo o conjunto probatório e, também, os avanços tecnológicos. E, caso os resultados não sejam satisfatórios, seguiremos pleiteando os direitos de nossos assistidos – disse a defensora. 

Neste sentido, o coordenador do Núcleo de Investigação Defensiva da DPRJ, defensor Denis Sampaio, também reforçou que a súmula original traduzia um retrocesso no direito probatório.

– A nova redação exige que condenações baseadas em depoimentos de policiais estejam coerentes com as provas dos autos, com o fundamento expresso da coerência nas decisões. Podemos considerar um avanço, na medida em que o juiz deverá realizar um confronto entre as provas produzidas, no que tange a comprovação da autoria, mas precisamos monitorar os impactos práticos nas futuras decisões judiciais – ressaltou Sampaio.

Texto: Jéssica Leal 



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