No 4º Tribunal do Júri do Rio de Janeiro, defensores públicos, promotores, familiares e amigos das vítimas aguardavam com expectativa a leitura da sentença em um dos julgamentos mais emblemáticos e complexos dos últimos anos: o caso Marielle Franco e Anderson Gomes. Após 2.423 dias desde o crime, Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz, réus confessos, foram sentenciados — Lessa a 78 anos e 9 meses de prisão e Queiroz a 59 anos e 8 meses.

Ao longo do júri popular, que começou na quarta-feira (30) e durou dois dias, a Defensoria Pública do Rio atuou como assistente de acusação ao lado do Ministério Público. Daniele Silva, coordenadora de Promoção da Equidade Racial; André Castro, coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh), e o defensor público Fábio Amado, que liderava o Nudedh à época do crime, foram peças-chave no acolhimento e na orientação às famílias. 

Nove testemunhas foram ouvidas, incluindo a assessora de imprensa de Marielle à época, Fernanda Chaves, sobrevivente do atentado. A mãe de Marielle, Marinete Silva, e a viúva dela, a vereadora Monica Benício, trouxeram à tona a dor de uma perda irreparável e o clamor por justiça.

– Estou aqui hoje para dizer o quanto isso é importante para mim e a minha família, sobre como a Marielle fez falta como mãe para a Luyara muito cedo. Foi doloroso e está sendo até hoje conviver com esse vazio. E ninguém pode, a não ser que tenha passado pela mesma dor que eu, saber. Era minha primogênita, uma filha à qual me dediquei a vida inteira para criar – disse Marinete.

A sessão também foi marcada por falas potentes de Ágatha Arnaus, viúva de Anderson, que relembrou que o maior sonho do motorista era ser pai. Em 2016, o casal teve o pequeno Arthur, portador de uma síndrome associada à onfalocele, uma má formação do intestino que demanda cuidados intensivos. Emocionada, ela relembrou que Anderson não pôde participar de momentos importantes da vida do filho.

– Eu nunca tinha feito nada sem o Anderson, sempre tive ele ao meu lado. Eu tinha 27 anos e não consegui processar tudo. Eram várias coisas para equilibrar, não sabia se voltava a estudar, queria fazer algo pra mim. Eu lembro de uma frase que meu pai me disse: ‘tudo que eu fizesse a partir dali seria a primeira vez sem o Anderson' – relembrou ela.

Os dois réus também prestaram depoimento, o que ajudou a reconstruir os fatos que levaram à condenação e a alcançar a justiça em um caso que marcou a história recente do país.

Representatividade

Daniele Silva, mulher negra e defensora pública, fez uma sustentação emocionante, recordando a participação de Marielle no último evento de sua vida, realizado na Casa das Pretas, na Lapa, onde discutiu a força das mulheres negras na sociedade.

- No fim do último evento, Marielle disse que ‘por dez anos foi Benedita (da Silva), por dez anos foi Jurema (Batista), não dá para achar que ficarei aqui sozinha por dez anos´. A Marielle não teve 40 minutos. Quarenta minutos depois, ela estava sendo executada. Essa era a urgência que Marielle vivia. Por isso, ela incomodou tanto. Ela mexeu com as estruturas – ressaltou Daniele, relembrando fala da vereadora assassinada sobre a representatividade de outras mulheres negras na política carioca.

Após a sentença, a defensora pública enfatizou que foram mais de quatro anos de trabalho ao lado da família de Marielle, em especial com dona Marinete e seu Antônio, pais da vereadora.

– Foram quatro anos e meio trabalhando nesse processo e mantendo contato cotidiano com a família, com a dona Marinete, o senhor Antônio e Ágatha. Foram tantas alterações no percurso que parecia que não chegaríamos a esse final. Então, é muita felicidade. E tem um lado muito positivo: isso é uma resposta para a sociedade. É o início do retorno ao estado realmente democrático, onde as pessoas podem pensar diferente, sem terem o direito de matar umas às outras – completou.

Caso emblemático

Para o defensor público Fábio Amado, o processo é emblemático não apenas por se tratar de um crime político contra uma defensora de direitos humanos, mas também pela maneira como a Defensoria, ao lado das famílias, se manteve firme em busca de justiça em todas as esferas, do nível estadual até os tribunais superiores.

– A Defensoria Pública tem um papel central na garantia do acesso à justiça às vítimas e tem atuado nesse processo há mais de seis anos, com inúmeras reuniões, encontros, demandas, audiências, processos e recursos em todas as esferas. O caso representa essa face fundamental da Defensoria Pública, especialmente do Nudedh e dos núcleos especializados, ao acolher de forma empática, profissional e humanizada essas vítimas de violência, garantindo assistência jurídica integral e gratuita para elas, tanto na esfera criminal quanto na esfera cível – afirmou Amado.

Neste sentido, o defensor público André Castro ressaltou que, o caso foi um símbolo da resistência e da luta por direitos humanos no país, e o resultado é uma resposta não apenas para as famílias de Marielle e Anderson, mas para toda a sociedade brasileira.

– Esse caso é emblemático, em relação ao grave problema do crime organizado e seus vínculos com órgãos do Estado, mas também mostra a importância da luta incansável  dos familiares e que as instituições públicas ainda podem reagir - disse o defensor. 

Condenações

Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz foram enquadrados nos crimes de duplo homicídio triplamente qualificado — por motivo torpe, emboscada e uso de recurso que dificultou a defesa das vítimas —; tentativa de homicídio contra Fernanda Chaves, assessora de Marielle que sobreviveu ao atentado e prestou depoimento ao júri  por videoconferência; e receptação do veículo Cobalt prata clonado usado no crime.

Como parte da sentença, os dois réus foram condenados a arcar com R$ 3,5 milhões em indenizações, que incluem pensão até os 24 anos para Arthur, filho de Anderson, e R$ 706 mil por dano moral para cada uma das vítimas — Arthur, Ághata, Luyara, Monica e Marinete. Além disso, eles terão que cobrir as custas do processo e não poderão recorrer em liberdade, mantendo-se a prisão preventiva de ambos como medida de segurança.

Texto: Jéssica Leal e Nathália Braga



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