A "Capacitação Nacional das(os) Defensoras(es) com Atribuição em Saúde" teve debates importantes e discursos inspiradores na última semana, na sede da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ). O evento, promovido pelo Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege), pela DPRJ e pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reuniu, durante dois dias, defensores públicos e especialistas de todo o Brasil para discutir temas cruciais relacionados ao direito à saúde.

Organizado por Ramiro Nóbrega, defensor público do Distrito Federal e pelas coordenadoras de Saúde da DPRJ, Thaísa Guerreiro e Alessandra Nascimento, além da professora Miriam Ventura, do Iesc/UFRJ, o evento buscou capacitar defensoras e defensores em temas como Planejamento e Financiamento em Saúde, Acesso a Medicamentos, Saúde Reprodutiva da Mulher e Métodos Alternativos de Resolução de Conflitos. Ao final, os participantes receberam certificação.

Alessandra Nascimento, subcoordenadora de Saúde da DPRJ, abriu os discursos no primeiro dia de evento, destacando a importância da troca de experiências entre defensoras e defensores de diferentes estados. Em tom emocionado, homenageou Thaísa Guerreiro, a quem chamou de "eterna coordenadora", e reforçou o compromisso com o acesso à saúde:

— Estamos aqui pelo bem comum, reconhecendo as dificuldades que enfrentamos desde 2018, mas é essencial garantir o acesso dos nossos usuários, apesar dos desafios recentes.

Em seguida, representando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Daiane Nogueira alertou para o aumento das ações judiciais na área de saúde, especialmente no setor privado:

— Temos mais ações judiciais em saúde do que médicos no Brasil. Isso indica que o sistema de justiça está se sobrepondo às políticas públicas, e precisamos fortalecer os mecanismos administrativos para garantir o direito à saúde de forma sustentável.

Juliana Bastos Lintz, presidenta da Associação das Defensoras e Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro (Adperj), destacou o papel da Defensoria na garantia do direito à saúde:

— A saúde não é apenas um serviço ou uma política pública. É um direito que impacta diretamente a dignidade de cada pessoa. Muitas vezes é a Defensoria Pública que garante que esse direito se concretize para milhões de brasileiros.

Formação de profissionais

Além de discussões jurídicas, o evento destacou a colaboração acadêmica. Maria de Loures Tavares Cavalcanti, diretora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc/UFRJ), frisou a relevância da parceria entre o instituto e a Defensoria Pública, enfatizando a formação de médicos sanitaristas.

— O compromisso do Instituto com a formação, a pesquisa e a extensão é um aliado estratégico para o SUS e para a defesa da saúde pública. Nossos alunos e residentes têm a oportunidade de atuar junto à Defensoria, contribuindo de forma significativa para a garantia desse direito fundamental – explicou Cavalcanti.

Já Alan Ramalho Ferreira, da Defensoria Pública de São Paulo, destacou a necessidade de capacitação contínua para a melhoria dos serviços prestados.

— A capacitação é uma estratégia importante para qualificar a atuação da Defensoria Pública, promovendo um serviço mais eficaz aos nossos usuários, especialmente no direito à saúde – pontuou o defensor.

Andrea Sena, diretora-adjunta da Escola Nacional de Defensoras e Defensores Públicos – Enadep, dividiu reflexões sobre os desafios dos defensores e defensoras na área da saúde.

— Embora fôssemos ouvidos, nosso impacto estava limitado. Ainda assim, nossa perseverança nos permitiu influenciar as decisões, mesmo que de forma indireta — ressaltou a diretora, agradecendo o apoio de seus colegas da Comissão de Saúde.

Cíntia Guedes, subdefensora pública-geral institucional da DPRJ, encerrou a mesa de abertura abordando a complexidade crescente dos casos de saúde pública e parabenizando os organizadores do evento, que se empenharam para uma discussão tão necessária. 

— A complexidade da atuação na área da saúde pública exige que a Defensoria atue em várias frentes — desde ações individuais até a formulação de políticas públicas — sempre em parceria com especialistas e instituições, porque o conhecimento jurídico, por si só, não é suficiente — disse Guedes.

Com essas falas, o evento reforçou a importância da colaboração entre diferentes áreas e instituições, essencial para enfrentar os desafios da judicialização da saúde no Brasil.

Desafios da judicialização

Depois da mesa de abertura, o evento seguiu com uma palestra dos debatedores Ramiro Nóbrega Sant'Anna, defensor público do Distrito Federal e doutor em Direito, e Thaísa Guerreiro, coordenadora da Cosau/DPRJ. O tema central foi o impacto das novas balizas impostas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 1.234 e o papel dos defensores públicos no cenário de judicialização da saúde.

Thaísa Guerreiro compartilhou sua experiência de liderança em um espaço dominado por preocupações com o equilíbrio fiscal, enfatizando os desafios enfrentados pelas defensoras públicas.

— Ser escolhida para representar os defensores públicos de todo o país, em um terreno ocupado por muitos homens e onde a preocupação financeira era priorizada sobre o acesso à saúde da população vulnerável, foi um desafio enorme. Mesmo assim, aceitei, e logo convidei Ramiro para me ajudar — disse Thaísa, ao relatar as dificuldades das inúmeras reuniões da Comissão de Saúde do Condege.

 Ela ainda acrescentou:

— A falta de direito a voto da Defensoria nas decisões impactava bastante, mas isso não nos impediu de sermos ouvidos e de influenciarmos nas discussões. Éramos persistentes, e com a união entre os colegas, conseguimos espaço nas conversas mais difíceis.

Ramiro Nóbrega complementou as falas e abordou a ausência de participação direta de usuários do SUS nas decisões sobre medicamentos e tratamentos, ressaltando que a voz dos pacientes é frequentemente substituída por representantes institucionais, como o Ministério da Saúde e gestores estaduais. 

O defensor também destacou a falta de participação parlamentar e judicial nas negociações sobre acesso a medicamentos, que acabaram sendo influenciadas por interesses federais e estaduais.

– O que faltou foi a voz dos pacientes. Eles são os principais afetados, mas quem decide são os representantes de entes federativos que não estão, de fato, na linha de frente com a realidade de quem depende do SUS – disse o defensor.

Gestão e métodos alternativos de resolução

O segundo dia da capacitação foi dedicado aos métodos alternativos de resolução e a palestras sobre a organização e financiamento do SUS, além da reunião da Comissão de Saúde do Condege.

A mesa ‘Métodos Alternativos de Resolução’ contou com a participação da coordenadora do Núcleo de Fazenda Pública, Samantha Monteiro de Castro; da coordenadora da Câmara de Resolução de Litígios em Saúde, Rita de Cássia Mello Guimarães; e da professora do Instituto de Enfermagem do Centro Multidisciplinar da UFRJ, Isabela Tavares Amaral, com a mediação de Alessandra Nascimento, subcoordenadora de Saúde da DPRJ.

Já a mesa ‘Orçamento e financiamento do SUS: possibilidades de atuação no sistema de justiça’ levantou aspectos como o envelhecimento da população brasileira, desafios da gestão pública e como defensoras e defensores públicas(os) podem trocar experiências sobre o atendimento à saúde, seja na tutela individual ou coletiva.

A procuradora do Ministério Público de Contas de São Paulo (MPC-SP), Élida Graziane, apresentou a palestra ‘Os desafios do SUS e do seu financiamento constitucionalmente sustentável’ que, dentre outros recortes, detalhou questões da saúde pública em São Paulo que podem ser aprimoradas. 

— A atenção primária, por exemplo, deveria ser resolutiva em 70% dos casos. Precisamos de um financiamento constitucionalmente adequado, com recursos para cobrir toda a participação federativa do SUS e cumprir o planejamento sanitário. Mas, ao mesmo tempo, é necessário reduzir os gargalos de uma alocação ineficiente - afirmou Élida Graziane.

Com a palestra ‘Controle e monitoramento orçamentário da política pública de saúde: importantes premissas conceituais, abordagens teóricas e propostas de atuação’, a defensora pública Thaisa Guerreiro comentou os prejuízos do não cumprimento da alocação de recursos em saúde previstos pelo Estado. 

— É um cenário de escassez artificial de saúde. Um gestor não pode se desvincular do seu próprio planejamento setorial e da lei orçamentária. O poder executivo, sozinho, não pode desconfigurar o que sua área técnica planejou, e um tipo de desconfiguração é o remanejamento de recursos  — explicou Thaisa Guerreiro.

A defensora Isabel Fonseca, subcoordenadora de Saúde da Defensoria Pública, ao mediar a mesa ‘Orçamento e financiamento do SUS: possibilidades de atuação no sistema de justiça’, também falou dos desafios de concretizar a aplicação de recursos voltados à saúde:

— Toda escolha fiscal implicava em uma renúncia. Uma grande questão que se impõe à sociedade como um todo é: quais escolhas nós fazemos para fortalecer os nossos direitos sociais, e quais escolhas fazemos para fortalecer outros setores da sociedade?

Para encerrar a Capacitação Nacional: defensoras(es) com atribuição em saúde, a Comissão de Saúde do Condege realizou uma reunião. Veja as imagens do evento aqui.

Texto: Jéssica Leal e Nathália Braga



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