Abrindo a agenda da semana, a Defensoria Pública recebeu o seminário ‘Ilegalismos e a Produção da Cidade’ nos dias 26 e 27 de agosto. O evento foi uma iniciativa da Rede Ilegalismos e a Produção da Cidade e teve em sua programação debates sobre os impactos crescentes de grupos armados no Rio de Janeiro, assim como a perspectiva latinoamericana sobre o assunto.

O seminário teve representantes da sociedade civil —  Fundação Heinrich Böll, Observatório de Favelas, Justiça Global, Fogo Cruzado, Instituto Odara e da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial —, assim como pesquisadores e professores da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Federal de Roraima, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da Universidade Federal Fluminense, além da universidade EAFIT, de Medellín, do Instituto de Antropología de Córdoba e do Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social da Cidade do México. Além de ceder o espaço para a realização do evento, a Defensoria Pública fez parte de algumas mesas de debate e, junto ao Ministério Público Federal, contribuiu com a perspectiva do sistema de justiça. 

Para tratar do tema “Configurações do mundo do crime e produção do espaço urbano: impactos nos serviços públicos”, a professora Valéria Pinheiro (UFC) detalhou a situação dos ‘deslocados urbanos’ em Fortaleza. Pessoas que se deslocam dentro das fronteiras do país, devido a situações de vulnerabilidade como, por exemplo, conflitos armados e violência de modo geral. Para Pinheiro, o deslocamento urbano afasta pessoas das suas casas e dos serviços públicos.

— É preciso reconhecer essas fronteiras invisíveis (dos conflitos urbanos) no acesso aos serviços públicos, como educação, saúde e segurança. Garantir a proteção integral aos deslocados urbanos é uma urgência — conclui a pesquisadora.

Na mesma mesa, Carlos Flores, representante da CIESAS Ciudad de México, apresentou o estudo ‘Antecedentes e transformações do crime organizado no México’, que analisa as características e práticas de grupos armados desde o início dos anos 2000. Evidenciando semelhanças entre países da América Latina, Carlos finalizou sua palestra falando de casos de pessoas que são expulsas de seus territórios, devido ao conflito armado nas áreas rurais do México.

Já Daniel Hirata, do Grupo Especial de Novos Ilegalismos (GENI-UFF), fez a palestra ‘Grupos armados no Rio de Janeiro: diagnósticos e formas de enfrentamento’. De acordo com o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro, o controle territorial armado no Grande Rio subiu de 9% para 19% da superfície territorial da região entre 2006 e 2023. 

— O controle territorial armado é uma das mais graves e persistentes características dos grupos armados no Rio de Janeiro que incidem sobre muitas dimensões da vida dos moradores, levando ao controle social, econômico e político — definiu o professor Daniel Hirata.

A repercussão da violência é um dos vieses da pesquisa de Natalia Bermúdez, da Universidade Nacional de Córdoba, que documentou as hierarquias sociais em torno das mortes decorrentes da violência policial. Segundo Bermúdez, na Argentina a opinião pública sobre a vítima e seus familiares é influenciada por diversos aspectos, como a cobertura nas mídias, a versão policial e o andamento judicial. Tal fenômeno motiva familiares a atuarem em defesa dos direitos humanos, situação que Gabriela Ashanti, do Instituto Odara, também percebe no Brasil.

Presente a um dos debates do seminário, a defensora pública Maria Carmem de Sá, assessora parlamentar da DPRJ,  ressaltou que o avanço de grupos armados acentua a desigualdade nas cidades de toda América Latina.

— É difícil falar em defesas da democracia em territórios afetados mais fortemente pelos ilegalismos. Afinal, são territórios em que a democracia de fato nunca chegou. A densidade democrática não é a mesma que em outros lugares da cidade que não são afetados da mesma forma por esses mecanismos de opressão. Por isso, dizemos que existem várias cidades dentro de uma só — contextualizou Maria Carmem.

Com base em dados estatísticos e demográficos, a defensora pública Anne Caroline Nascimento, coordenadora do Núcleo de Combate ao Racismo e à Discriminação Étnico-Racial da Defensoria Pública (Nucora) também falou sobre o perfil mais afetado pelos ilegalismos nos municípios fluminenses.

— Os territórios onde há avanço da militarização reúnem a maioria das pessoas negras no Rio de Janeiro, e também reúnem os piores índices de desenvolvimento humano (IDH) do estado. Além disso, são exatamente nessas regiões onde a Defensoria Pública mais atende casos de racismo religioso. Precisamos pensar a produção de dados como uma estratégia de combate ao racismo, e repensar as cidades implica uma estratégia antirracista. — argumentou Anne Caroline.

A partir do seminário, as instituições que integram a Rede Ilegalismos e a Produção da Cidade pretendem elaborar propostas para o enfrentamento do tema, levando em consideração a agenda política do continente latinoamericano e a agenda eleitoral de 2024 no Brasil.

Texto: Nathália Braga



VOLTAR