Foto: Evens e Linda
Quando a juíza de paz anunciou que Evens Jules e Linda Aldajuste seriam o próximo casal a se casar na pequena sala do cartório de Maricá, na Região Metropolitana do Rio, um semblante de alívio tomou conta dos rostos dos familiares e amigos presentes. Junto há 14 anos, o casal de haitianos sempre sonhou formalizar sua união no Brasil. No entanto, o que deveria ser um momento de felicidade tornou-se temporariamente um pesadelo para eles.
O casal, que se conheceu no Haiti e veio para o Brasil em 2013, enfrentou uma longa batalha judicial para conseguir se casar. Quando Evens Jules procurou o cartório de Maricá, em julho de 2022, se deparou com uma série de obstáculos burocráticos, devido à falta de documentos específicos exigidos para estrangeiros, o que impedia a união estável com Linda.
– Naquele dia, me falaram que nós não poderíamos casar, porque eu sou refugiado e a Linda é acolhida humanitária, e alguns documentos específicos do nosso país estavam faltando. Eu não sabia o que fazer, porque não tínhamos como conseguir a documentação sem ajuda – relata Evens Jules.
Diante da situação, o casal recorreu à Defensoria Pública do Núcleo de Primeiro Atendimento de Maricá, que entrou com uma ação judicial para garantir o direito de Evens e Linda se casarem. A equipe da DPRJ trabalhou incansavelmente em defesa dos direitos do casal. Mesmo com uma primeira decisão desfavorável, o Conselho de Magistratura do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) acatou a apelação, reconhecendo o direito deles de se casar sem a necessidade de apresentar todos os documentos anteriormente exigidos.
Em uma cerimônia emocionante, realizada na última sexta-feira, 26 de julho, Evens Jules e Linda Aldajuste finalmente trocaram alianças, selando sua união perante familiares, amigos e suas três filhas. O casamento, celebrado no mesmo cartório onde tudo começou, foi marcado pela alegria e pelo alívio do casal que, após anos de espera, viu seu sonho se concretizar.
– Estamos muito felizes, esse era o nosso sonho! Foi tudo lindo e emocionante, nossas filhas puderam presenciar o nosso casamento e participar desse momento tão importante. Por um momento, achamos que nunca conseguiríamos, mas tudo deu certo, só temos a agradecer – disse Linda, emocionada.
Nova norma garante direitos a refugiados, apátridas e acolhidos humanitariamente
A vitória judicial não se limitou ao caso de Evens e Linda. Foi identificada pela Defensoria a necessidade de ampliar os direitos para outras populações em situação semelhante, como refugiados, apátridas e pessoas acolhidas humanitariamente.
Com base nesse entendimento, a DPRJ solicitou à Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (CGJ-RJ) a alteração de uma norma que regulamentava a apresentação de documentos para a prática de atos notariais e registrais de estrangeiros. A CGJ-RJ acolheu o pedido e publicou um novo aviso, que dispensa a apresentação de certidões de nascimento ou casamento para essas populações, desde que o estrangeiro apresente documento de identidade, passaporte válido ou atestado consular que comprove sua identidade e filiação.
– Agora, com a apresentação de um documento de identidade, passaporte ou atestado consular que comprove a idade e a filiação, essas pessoas poderão fazer atos em cartório sem a necessidade das certidões de nascimento ou casamento – disse o subcoordenador cível da Defensoria, Maurício Travassos.
Neste sentido, a defensora Fátima Saraiva também reforçou que a mudança na normativa é um grande avanço, pois facilita a vida de pessoas que enfrentam dificuldades para obter documentos de seus países de origem, seja pela distância, pelo custo ou pela burocracia envolvida.
– Estou muito feliz de ter trabalhado neste caso e, com uma equipe maravilhosa de defensores, ter conseguido ampliar os direitos a outras pessoas migrantes. Muitas vezes, quando alguém sai refugiado de seu país, não tem tempo de providenciar certos documentos, ou esses documentos se perdem no meio do caminho. É preciso entender essa realidade e adaptar nossas normativas para atender às necessidades das pessoas – afirmou Saraiva.
Texto: Jéssica Leal.