A Defensoria Pública do Rio acompanhou de muito perto e durante o último ano atuou como amicus curiae (Amigo da Corte) no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 635.659, de autoria da Defensoria Pública de São Paulo, que levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha, na semana passada.  

Por meio da Coordenação de Defesa Criminal (CoCrim) e da Coordenação de Promoção da Equidade Racial (Coopera), a DPRJ colaborou com argumentos e dados, apontando ser “urgente a descriminalização do referido tipo penal, por violação à vida privada, à intimidade e ao princípio da lesividade”, e por atingir “de forma desproporcional a população negra brasileira, considerando a atuação seletiva e discriminatória das agências policiais, calcadas no racismo institucional”.

O texto destacava: “Não há qualquer dúvida de que o deslinde da controvérsia afetará diretamente a população atendida cotidianamente pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em especial pessoas negras e pobres, muitas vezes selecionadas por mecanismos raciais para sofrerem a persecução penal estatal”, destacava o texto.  

O pedido de admissibilidade como amicus curiae foi deferido pelo ministro Gilmar Mendes, em junho do ano passado.  A petição foi assinada por três defensoras públicas do Rio: a coordenadora da Cocrim, defensora Lucia Helena Oliveira; a subcoordenadora da CoCrim, Isabel Schprejer; e a coordenadora da Coopera, Daniele Silva.

— Uma análise das decisões no cotidiano penal demonstra que uma mesma quantidade de drogas pode ser capitulada como tráfico de drogas ou como consumo pessoal, aumentando o encarceramento de pessoas pobres e negras. A decisão do Supremo Tribunal Federal procura diminuir o cunho de subjetividade existente na Lei de Drogas. Acompanharemos a aplicação da decisão do STF, avaliando a repercussão para os usuários dos serviços da Defensoria Pública — explica a coordenadora da CoCrim, defensora Lucia Helena Oliveira.

Saúde pública, não punitivismo

A defensora Daniele Silva, coordenadora da Coopera, reitera:

— O compromisso antirracista da Defensoria Pública exige uma atuação urgente e eficiente no combate às injustiças epistêmicas que permitem o encarceramento em massa da juventude negra. A festejada decisão do STF corrige, em alguma medida, uma dessas injustiças. O uso de drogas deve ser tratado no campo da saúde pública, não do punitivismo.

A petição para ingresso como amicus curiae apresentava informações extraídas de uma pesquisa feita pela Defensoria do Rio, em convênio com o Fundo Nacional Antidrogas da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, cuja conclusão foi de que mesmo “réus primários, de bons antecedentes, presos em flagrantes sozinhos, desarmados com pouca quantidade de droga em operações realizadas em área de tráfico de drogas têm grande chance de serem condenados pelo delito de tráfico”. 

O levantamento envolveu 2.591 processos relativos a 3.735 réus, distribuídos entre 1º de junho de 2014 e 30 de junho de 2015, no município do Rio e na Região Metropolitana.  “Uma análise das decisões judiciais indica que uma mesma quantidade de drogas pode ser capitulada como tráfico de drogas, ou como uso de drogas, e as circunstâncias que permearam o encontro das drogas são bem similares. A pesquisa aponta que cerca de 71,14% das sentenças baseiam suas condenações nos testemunhos dos agentes de segurança”, frisava a petição da Defensoria.

Texto: Valéria Rodrigues



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