A família de Amanda de Souza Soares durante o atendimento realizado no Nudiversis

 

Natural de São Gonçalo, Amanda de Souza Soares se assumiu como mulher trans aos 17 anos de idade. Desde que se entendeu enquanto mulher, seu nome nunca foi uma dúvida: queria ser chamada de “Amanda”. No entanto, após sua morte, o direito de ter o nome registrado na certidão de óbito lhe foi negado, realidade que a Defensoria Pública do Rio de Janeiro pretende mudar nesta sexta-feira (8), no Dia Internacional da Mulher.

Apesar da visibilidade crescente, a discussão sobre transexualidade ainda é muito recente e alguns direitos ainda não são totalmente esclarecidos. Como é o caso do “nome social”, um direito que a população trans adquiriu e que facilita a apresentação imediata com o novo nome, e da requalificação civil, ou seja, da troca do nome em cartório, processo mais demorado e mais caro. 

– O nome social garante o direito da pessoa ser respeitada socialmente pelo nome com o qual ela se identifica, mas não abrange documentos oficiais. O caso da Amanda é emblemático justamente para mostrar a importância de fazer a requalificação civil. Apesar de ser um direito manter apenas o nome social e não alterar o nome em registro, é preciso que isso seja um direito esclarecido – diz o defensor público e coordenador do Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual  da DPRJ (Nudiversis), Hélder Moreira

A mãe de Amanda, Sílvia de Souza Soares, de 52 anos, ressalta a importância desta informação ser disseminada, para que mais pessoas trans tenham plena consciência dos seus direitos.

– As pessoas têm que saber. A Amanda chegou a ir ao cartório para fazer a retificação, ela tinha por escrito os documentos que precisaria e o valor que precisaria pagar, mas como já tinha o documento com seu nome na frente, deixou pra lá. 

Apesar da tristeza da tragédia, a irmã de Amanda, Rhayanny Souza, de 30 anos, acredita que esse seja o momento de falar sobre as problemáticas que giram em torno do caso, como forma de aumentar a visibilidade para causas que geralmente são negligenciadas e, com isso, ajudar as pessoas no futuro.

– Por mais que seja difícil para a família ficar relembrando, é muito importante falarmos sobre isso para não virar só mais um caso nas estatísticas, para que outras pessoas não tenham que passar pelo que nós estamos passando – diz Rhayanny.

Ter a certidão de óbito no nome de Amanda vai além do meramente burocrático. Para Sílvia, é uma honra, e o direito de poder enterrar sua filha. 

– Eu digo que enterrei meu filho há muitos anos, quando ela se assumiu pra mim. Está na hora de enterrar a minha filha, eu devo isso a ela. Ela merece ser enterrada com o nome que lutou tanto para ter. – finaliza a mãe.

Entenda o caso

Amanda de Souza Soares foi assassinada no dia 1º de fevereiro de 2024, a facadas, e seu corpo foi encontrado sem vida em um terreno abandonado próximo de sua casa, em São Gonçalo. O suspeito do crime está sob custódia e o caso está configurado como “Transfeminicídio”, segundo Hélder Moreira, um termo designado ao homicídio de mulheres trans e travestis.

– Casos como esse acontecem muito. É importante que a gente comece a demarcar, nomear como devem ser nomeados, para que não sofram apagamento, porque já é uma população que sofre apagamento o tempo todo. Não podemos configurar como homicídio se o caso se trata de um transfeminicídio – esclarece Moreira.

Rhayanny, irmã de Amanda, diz que a dificuldade com a identidade de sua irmã foi percebida logo nas primeiras horas após sua morte, quando o policial preencheu a ficha do ocorrido, inicialmente, com o sexo masculino. Além disso, o médico legista, preencheu o atestado de óbito com o nome social, mas alertou que colocaria também o nome de registro. 

- Ele disse que geralmente no cartório encrencam com o nome social, e colocou o de registro justamente para não dar problema. Infelizmente deu problema mesmo assim. - conta.

A falta de conhecimento por parte dos policiais não é novidade para Aretha Salles, coordenadora do Centro de Cidadania da Metropolitana 1, que atende Niterói e São Gonçalo, e foi a primeira instituição a oferecer apoio à família de Amanda. Segundo Salles, um dos próximos projetos do Centro é realizar um “letramento” com policiais, para auxiliar a lidar com situações que envolvam a população transexual.

Apesar das dificuldades, o assessor jurídico do mesmo Centro de Cidadania, Guilherme Jacques, contou que conseguiu colocar o nome de Amanda como uma pequena observação, na parte de baixo da certidão de óbito. Agora, com a ajuda da Defensoria do Rio, o documento será atualizado respeitando a identidade dela.

 

Texto: Carolina Calháu



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