A Defensoria Pública do Rio e o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) apresentam, nesta terça-feira (16), o Projeto Mirante. A iniciativa, inédita no país, busca desenvolver e aplicar metodologias e tecnologias inovadoras para a investigação independente de casos de violência de Estado, bem como promover a aplicação das ciências forenses no campo dos direitos humanos e contribuir com a formação de quadros especializados nessa área temática no Brasil.
Subsidiado pela Secretaria de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SAJU-MJSP), o Mirante reúne, além da Defensoria e do Geni/UFF, outros grupos de pesquisas e entidades que irão trabalhar na elucidação de casos envolvendo graves violações de direitos humanos no Rio de Janeiro e São Paulo. Fazem parte do projeto, defensores públicos e pesquisadores de diferentes áreas, como antropologia, arquitetura, sociologia, comunicação, psicologia, ciências de dados e da comunicação, além de profissionais da área de ciências forenses.
No Brasil, somente as autoridades policiais podem realizar esses tipos de laudos. Por isso, caberá ao projeto apenas as revisões e complementações a serem juntadas nos processos. Para o coordenador e pesquisador do Geni-UFF, Daniel Hirata, o Mirante trará importantes elementos para contrapor as versões criminais, por meio da análise técnica independente baseada em evidências.
— Em outros países há atuação de órgãos independentes nas perícias, mas aqui precisamos aguardar primeiro a polícia. É um gargalo na nossa situação porque as próprias instituições que cometem violações são as que fazem a instrução dos inquéritos e os próprios laudos. Não me parece saudável para ninguém, nem para familiares de vítimas nem para as polícias, essa falta de independência — ressalta Hirata.
Segundo o pesquisador, o grupo contribuirá no levantamento de evidências, na sistematização e na análise de dados e documentos sobre casos de mortes decorrentes de intervenção policial, além de oferecer suporte técnico a membros do Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ (Nudedh) na promoção da defesa de vítimas de violência institucional.
— Vamos atuar na revisão e elaboração de laudos criminais, como laudos de balística, necropsia e laudo de local (reconstituição). Vamos produzir material de excelência, para que possa ajudar na resolução desses processos que envolvem violência institucional. Também faremos um curso de extensão universitária nessa linha de ciências forenses — explica o pesquisador.
Além do apoio técnico na revisão de laudos, o projeto prevê, também, a utilização de recursos multimídia e difusão de materiais audiovisuais e interativos para a apresentação dos casos. A expectativa é que, com o aumento da coleta de dados e a sua sistematização, o Mirante alcance uma média de mais de mil análises de informações, por ano, com a revisão de cem diferentes tipos de laudos periciais, além da produção de cem materiais de audiovisual e de visualização interativa.
Neste sentido, a defensora e subcoordenadora do Nudedh, Maria Julia Miranda, explicou que a produção desses dados possibilitará a atuação mais técnica nos casos individuais, e a incidência na elaboração de políticas públicas que impactem a área da segurança pública, visando proteger e promover os direitos fundamentais de pessoas e comunidades vulneráveis à violência institucional.
“O Projeto Mirante, com a análise técnica das provas produzidas, visa qualificar o serviço público prestado pelo Nudedh, assegurando às vítimas uma efetiva participação nas investigações, conforme assegurado pela normativa interna e internacional”, destaca Miranda.
Inicialmente, serão analisados 30 casos de violência estatal, dentre eles, a operação policial que resultou em 28 mortes no Jacarezinho (RJ); o das primas Emily e Rebecca, mortas em 2020, em Duque de Caxias (RJ); a morte do zelador Guilherme Lucas, na saída de um baile funk na comunidade do Santo Amaro (RJ); e do estudante Lucas Albino, morto em 2019, em Costa Barros, também no Rio . O Mirante também vai analisar o caso que ficou conhecido como “massacre de Paraisópolis”, ocorrido em São Paulo em 2019.
São parceiros do Projeto Mirante o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI-UFF), o Grupo de Pesquisas em Antropologia do Direito e das Moralidades (GEPADIM-UFF), o Laboratório de Estudos sobre Conflitos, Cidadania e Segurança Pública (LAESP-UFF), o Laboratório de Estudos Digitais (LED-UFRJ), o Laboratório de Pesquisa em Mídias e Métodos Digitais (MEDIA.LAB-UFRJ), a T B Forensics e o COMUM MARÉ - Centro Independente de Investigação Comunitária / Redes da Maré + Forensic Architecture.
Texto: Jéssica Leal.