Superlotação, 50 mortes por causas não especificadas, falta de assistência médica adequada e precariedade nas instalações do Presídio Evaristo de Moraes, em São Cristóvão, levaram a Corte Interamericana de Direitos Humanos a decretar medidas provisórias e determinar ao Estado brasileiro providências imediatas para “proteger eficazmente a vida, a integridade pessoal, a saúde e o acesso à água e à alimentação” das pessoas privadas de liberdade alojadas na unidade. 

As deficiências da estrutura do presídio foram denunciadas aos organismos internacionais pela coordenação do Núcleo do Sistema Penitenciário (Nuspen) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. 

Desde agosto de 2019, o Estado do Brasil está obrigado a cumprir as medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a pedido da do Nuspen. Diante do não cumprimento das medidas cautelares, a coordenação do núcleo requereu à CIDH que solicitasse medidas provisórias à Corte IDH:

— Ao longo de quatro anos, as medidas cautelares outorgadas pela Comissão Interamericana não foram cumpridas pelo Brasil. As mortes de pessoas privadas de liberdade continuaram a acontecer na unidade prisional e o quadro de superlotação não foi erradicado. A coordenação do Nuspen, portanto, acionou novamente a Comissão Interamericana, solicitando que fossem requeridas as medidas provisórias à Corte IDH, o que foi acolhido — explica o subcoordenador do núcleo, Leonardo Rosa. 

O Estado do Brasil tem prazo de dois meses, a partir do recebimento da notificação, para apresentar informações sobre as diligências realizadas, e “deverá apresentar um relatório periódico sobre as medidas adotadas a cada quatro meses”. A Corte IDH irá avaliar a pertinência da realização de uma inspeção no Presídio Evaristo de Moraes para verificar o cumprimento das medidas provisórias impostas. 

Na Resolução, datada de 21 de março último, a Corte IDH afirma que a superlotação no Presídio Evaristo de Moraes hoje é de cerca de 136% e que a capacidade informada da unidade é de 1.497 pessoas privadas de liberdade. O documento menciona os números encontrados ao longo da apuração:

“No entanto, os representantes registraram 2.955 pessoas durante sua visita de inspeção, em julho de 2022 (o que representaria uma ocupação superior a 197%), enquanto o Estado informou a presença de 2.268 pessoas privadas de liberdade no Centro Penitenciário em outubro de 2022. Em fevereiro de 2023 a Comissão afirmou que a PEM continuava apresentando um quadro preocupante de superlotação, com 2.036 pessoas, sem que o Estado tivesse apresentado um plano oportuno e efetivo de redução da população carcerária”.

A Resolução da Corte IDH destaca ainda terem sido “reportadas 50 mortes de pessoas privadas de liberdade na Penitenciária Evaristo de Moraes no período de 2019 a 2022”,  tornando  “imprescindível que o Estado apresente informação periódica detalhada” sobre todas as mortes ocorridas desde agosto de 2019 e as medidas adotadas para determinar suas causas e circunstâncias”, além das iniciativas capazes de “assegurar condições de detenção compatíveis com o respeito à dignidade humana e de acordo com os padrões internacionais na matéria”. 

A investigação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia constatado que essas mortes “foram registradas, em sua maioria, como “mortes naturais”, sem maiores precisões, enquanto outras foram registradas como resultado de “doença”.  Em alguns casos, registrou-se a “causa provável” da morte.” E que, em 2020, o Estado se limitou a indicar que, das 10 pessoas privadas de liberdade que faleceram até aquele momento, “duas tinham doenças crônicas, quatro tinham menos de um mês de ingresso à unidade, quatro tinham menos de cinco meses e outras duas tinham nove e 10 meses de ingresso, respectivamente”.

Prossegue a Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos:

“A Comissão afirmou que o alto e frequente número de mortes registradas também está relacionado à falta de acesso a atenção de saúde adequada, oportuna e especializada”, em especial no tocante a casos complexo ou de urgência/ emergência.  

— Trata-se do segundo estabelecimento prisional do Rio de Janeiro que sofre a intervenção direta da Corte IDH, evidenciando a falência da política penitenciária estadual ao longo dos anos. Infelizmente, o caso do Instituto Penal Plácido Sá Carvalho não serviu de exemplo para as autoridades administrativas e judiciais, que permaneceram, mais uma vez, absolutamente inertes diante das determinações dos órgãos do sistema interamericano de direitos humanos— afirma o defensor público Leonardo Rosa. 

Por fim, a Resolução ressalta que “as condições de detenção na Penitenciária Evaristo de Moraes seriam inadequadas e insalubres.”  A unidade “funciona em um prédio previamente utilizado como um depósito de tanques do exército que foi adaptado para albergar pessoas privadas de liberdade. Ademais, verifica-se que os internos teriam exposição insuficiente ao sol (uma a duas vezes por mês); infiltrações e alagamento das celas; quantidade insuficiente de colchões, de modo que parte das pessoas privadas de liberdade não teriam onde dormir; acesso insuficiente à água, a qual, algumas vezes, estaria contaminada; fornecimento precário de material de higiene pessoal, e problemas de qualidade e quantidade de alimentos”.



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