O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anunciou, na última terça-feira (02), que a Terceira Seção do órgão irá passar a julgar o habeas corpus (HC) feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro em favor de um réu que tem mais de 60 processos por reconhecimento fotográfico. A Coordenação de Defesa Criminal da DPRJ, em parceria com o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), analisou as ações penais de Paulo Alberto da Silva Costa, e apresentou conclusões que embasam o HC. Homem negro, de 35 anos, ele está preso na Cadeia Pública José Antonio da Costa Barros, no Complexo de Gericinó, desde março de 2020. 

Devido à grande quantidade de acusações, a DPRJ impetrou vários pedidos de habeas corpus, que foram distribuídos a diferentes relatores no STJ, componentes da Quinta e da Sexta Turma. Diante disso, a ministra Laurita Vaz, relatora do HC 769.783, apontou a necessidade de que todos os habeas corpus sejam analisados em conjunto pelos membros da Terceira Seção, para que se tenha uma decisão uniforme sobre eles. Ela informou que levará o caso para julgamento na seção já no dia 10 de maio.


O ministro Rogerio Schietti Cruz, que também compõe a Sexta Turma, reforçou a importância de levar o assunto ao exame da Terceira Seção. "Evidentemente, ainda será necessário um exame mais aprofundado, mas, a um primeiro olhar, pareceu-me ser um dos casos mais trágicos de condenação baseada em reconhecimento de suspeito, em total desacordo com o que determina a lei – e, agora, em desacordo com o que preconizamos em nossa jurisprudência", declarou o ministro ao site do STJ.


Alguns dados do estudo conduzido pelo IDDD sobre o caso merecem destaque. Com mais de 60 processos analisados, em nenhum deles Paulo foi ouvido em sede policial. A conclusão sobre a autoria no inquérito policial se dá, em todos as ocasiões, por meio do reconhecimento realizado por fotografia. Em pelo menos dois casos, foi identificado nos autos do próprio inquérito policial que o reconhecimento se deu a partir da visualização de fotografia de Paulo Alberto em um mural de suspeitos que se localizava na entrada da 54ª Delegacia de Polícia. Em todos os demais, o reconhecimento se deu pela apresentação de fotografias de redes sociais (Facebook), selfies ou fotografias de origem desconhecida. Ambas as práticas são condenadas em razão de se tratar de procedimento indutivo com alto potencial de acarretar em falsas memórias.


- O olhar sistemático do STJ para esse caso é fundamental. Em todos os 62 processos de Paulo, os reconhecimentos são repletos de inconsistências e estão marcados pelo viés racial. Ainda assim, a polícia os considerou suficientes para levar ao pronto encerramento das investigações. O reconhecimento fotográfico é utilizado frequentemente em delegacias, por isso, temos certeza de que muitas pessoas estão passando pelas mesmas injustiças que Paulo. E o STJ pode contribuir para começar a mudar essas histórias. - aponta Guilherme Ziliani Carnelós, presidente da diretoria do IDDD.


Não há nenhuma informação oficial nos autos dos inquéritos policiais que indiquem o motivo pelo qual Paulo Alberto da Silva Costa, que não tinha sequer uma passagem pela polícia e nunca foi preso em flagrante delito, tornou-se suspeito da prática de crimes patrimoniais na região daquela delegacia.


A coordenadora de defesa criminal da DPRJ, defensora Lucia Helena Barros, lembra que pesquisas recentes da Defensoria apontaram que oito em cada dez presos injustamente por reconhecimento fotográfico são negros. 


- Os casos de erros em reconhecimento fotográfico acabam provocando prisões e/ou condenações injustas, além de reforçarem a seletividade de nosso sistema penal. É necessário um esforço conjunto de todos que atuam no processo penal para se evitar injustiças, que acabam culminando com prejuízos irreparáveis à pessoa condenada, familiares e, também, à sociedade. A possibilidade de um julgamento uniforme pelos Ministros membros da Terceira Seção do STJ em muito contribuirá no reconhecimento de pessoas no Brasil, que vem causando injustiças em razão de constantes erros judiciários nas condenações. -  disse a coordenadora.


O réu alega não saber o motivo desses acontecimentos e afirma sua inocência. Diz, ainda, não saber explicar o porquê de suas fotografias serem utilizadas num álbum de suspeitos da 54ª Delegacia de Polícia de Belford Roxo.



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