Pauta prioritária da Defensoria Pública do Rio de Janeiro para o biênio 2023/2024, o combate à misoginia e à violência de gênero conta com uma frente de atuação específica para garantir assistência jurídica integral, humanizada e qualificada a sobreviventes de tentativas de feminicídio e às famílias de mulheres assassinadas.  O amparo tem como foco o processo penal contra o autor do crime e estende à esfera cível, com ações relativas à guarda de crianças, divórcio e indenização por danos morais e materiais, por exemplo, e inclui também suporte emocional

Reunidos no Grupo de Trabalho para Assistência às Vítimas Diretas e Indiretas de Feminicídio Consumado ou Tentado, defensoras e defensores atuam como “assistentes qualificados da vítima”, figura jurídica inovadora criada pela Lei Maria da Penha e ainda não de todo incorporada pelo sistema de Justiça. 

— As Defensorias Públicas do Brasil vêm trabalhando em prol do reconhecimento da figura do assistente da vítima como verdadeiro sujeito processual sui generis, já que a Lei Maria da Penha prevê atendimento específico e humanizado voltado para as complexidades que envolvem o fenômeno da violência contra a mulher — explica Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria do Rio e presidenta do grupo.

Há hoje no GT o acompanhamento de 22 processos de feminicídios consumados ou tentados, número que corresponde a uma parcela pequena de casos contra a vida da mulher recebidos pelo Poder Judiciário fluminense nos últimos dois anos.

— É atribuição da Defensoria Pública ter um olhar cuidadoso para as vítimas de graves violações de direitos humanos, como é o caso de mulheres vítimas de feminicídio, tentado ou consumado. É enorme a vulnerabilidade das mulheres sobreviventes e de órfãos e parentes mais próximos de vítimas fatais ou não, em todos os sentidos — define Nascimento. 

Pelo GT, passam histórias como o da sobrevivente a uma tentativa de feminicídio que precisou de dois meses de suporte oferecido pela psicóloga do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), Pamella Rossy, para conseguir verbalizar, no Tribunal do Júri, na presença do agressor, a violência sofrida. Ou da adolescente de 14 anos que viu a mãe ser assassinada pelo pai. Ou da mulher que perdeu a filha ainda criança, morta pelo ex-namorado (embora a vítima direta tenha sido a menina, o caso foi tipificado como feminicídio pois o alvo era a mulher, a quem o agressor quis infligir sofrimento emocional).

Justiça e memória da vítima

O acolhimento às pessoas que vivem o processo de luto em casos de feminicídio para que elas consigam, inclusive, expor suas histórias nas audiências e efetivar o direito de fala e de busca justiça também é foco do trabalho do Grupo de Trabalho.

- A escuta é fundamental também para avaliarmos as demandas implícitas e explícitas que, se identificadas e direcionadas, ajudam essas vítimas a rearranjar a vida — explica a psicóloga do Nudem, Pamella Rossy, que também integra o GT.      

A coordenadora da Comulher, Flávia Nascimento, explica ainda que um dos focos da assistência qualificada, inclusive junto ao Tribunal do Júri, é dar voz às pessoas atingidas pelo feminicídio tentado ou consumado mas evitando a revitimização, em especial durante os depoimentos.

- É possível perceber que a mulher vítima bem assistida desde o início do processo consegue ficar mais tranquila, contar a história que levou à tentativa de feminicídio de maneira franca, verdadeira e clara.  Quando se trata de feminicídio consumado, os depoimentos de familiares, na condição de testemunhas, também são mais serenos, preservando a memória da vítima, para que esta não seja vilipendiada nem culpabilizada — esclarece a defensora pública.

Ela destaca que na maioria dos casos a cargo do GT prevalece o uso de armas brancas (como facas e punhais) e de meios cruéis (como fogo, anilha, martelo, marreta, picareta, chave de fenda e caco de vidro).

— Esse é um dado que corrobora o que já havíamos identificado em pesquisa divulgada pela Defensoria em março de 2020 sobre o perfil das vítimas de feminicídio em mais de uma centena de processos que tramitavam nos Tribunais do Júri de todo o Estado — assinala.

Projeto Violeta Laranja

Boa parte dos casos em que o GT atua chegam pelo Nudem, mas há também encaminhamentos vindos da Ouvidoria do Ministério Público e de serviços municipais e estaduais de atendimento à mulher.

Em todas as comarcas fluminenses, o tratamento qualificado e acolhedor às vítimas diretas e indiretas de feminicídio tem por base o Projeto Violeta Laranja, termo de cooperação firmado entre Tribunal de Justiça, Defensoria Pública, Ministério Público e Polícia Civil, que estabelece ferramentas para acelerar o acesso à Justiça “às mulheres em situação de extrema vulnerabilidade e em risco grave de morte ou de lesão a sua integridade física, assegurando que as medidas protetivas de urgência sejam concedidas em um curto espaço de tempo e processos de feminicídio julgados com a maior celeridade possível”.

As defensoras e os defensores que compõem o Grupo de Trabalho acumulam a tarefa de prestar assistência integral às vítimas de feminicídio tentado ou consumado com as demais atribuições dos órgãos em que atuam no dia a dia. Cada integrante do GT cuida de até três processos simultaneamente. A adesão ao Grupo é condicionada a participação em um curso de sensibilização sobre questões de gênero e de raça ou etnia. A capacitação é feita em aulas ministradas por especialistas em gênero e Direito, organizadas pelo Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) da Defensoria do Rio e pela Coordenadoria de Defesa da Mulher.



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