O projeto Defensoria Pública em Ação nos Quilombos fez a sua primeira parada do ano no último sábado (25), no Quilombo Bahia Formosa, localizado em Búzios, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. O projeto tem o objetivo de levar atendimento jurídico e gratuito para a população quilombola de todo o Estado. 

O evento aconteceu na Escola Municipal Professora Lydia Sherman e contou com a participação não só da Defensoria, mas também do Detran RJ, da Defensoria Pública da União (DPU) e do Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN) do Município.

Mais de 200 quilombolas que estiveram no local receberam orientações jurídicas sobre demandas cíveis e de família de baixa complexidade, além de terem participado das rodas de conversa sobre temas sensíveis para a comunidade. Neste momento, moradoras e moradores relataram dificuldade em acessar direitos mais básicos como: água, saúde, educação e transporte público.

Dona Nilda, de 63 anos, contou que não existe nenhum ponto de ônibus perto do Quilombo Botafogo, onde reside desde que nasceu. Com dificuldade de locomoção por conta de um problema na perna, a senhora sofre para conseguir sair de casa e ir às consultas médicas. 

— O ponto de ônibus mais próximo fica a mais de 30 minutos de caminhada pelo chão de terra, cheio de buracos e que não tem nem iluminação direito. A gente sofre muito com isso, sem contar que o ônibus só passa de uma em uma hora! — conta a dona de casa. 

Além dos quilombos ficarem em áreas mais afastadas, com transporte precário, muitos ainda não possuem saneamento básico, como no caso do Quilombo São Jacinto, que também foi visitado durante a ação. 

— A gente vive também com muita dificuldade de ter acesso à uma terra que é nossa. A terra é um direito nosso, direito da gente trabalhar e continuar vivendo de forma tradicional, com manutenção da nossa cultura. Esse acesso é sempre negado, o Estado vive criando empecilhos para não conseguirmos chegar a este objetivo — ressalta Dona Elizabeth, 54 anos, liderança quilombola do Bahia Formosa. 


Dificuldade na regularização da Terra

A resistência dos quilombos nacionais ganhou força em 2003, com o Decreto nº 4887 que regulamentou a demarcação e a titulação das terras dos descendentes de quilombolas. O processo, contudo, ainda é bastante burocrático e demorado.

Para a coordenadora de Promoção de Equidade Racial, Daniele Silva, a dificuldade que os quilombos enfrentam para conseguir a titulação demonstra a negação e a falta de políticas públicas para essa parcela da população. 

— Os quilombos estão sendo exterminados com o avanço da especulação imobiliária e é fundamental que a regularização aconteça, para que essa cultura não morra. Fora isso, os direitos relacionados à identidade quilombola não se esgotam com a titulação, processo da seara federal, geralmente acompanhado pela Defensoria Pública da União. A população quilombola é titular de direitos fundamentais e a Defensoria Pública deve atuar de forma contínua na sua concretização como medida de promoção de direitos humanos — afirma Daniele.


Conheça o projeto

O projeto de atendimento às comunidades quilombolas começou em 2022. Desde então, a Defensoria visitou todos os 52 quilombos do Estado do Rio de Janeiro. 

— Verificamos a necessidade de ir presencialmente até os quilombos para ouvir as demandas da população quilombola e nos deparamos com uma série de violações aos direitos mais básicos. A partir disso, começamos a mapear os serviços públicos por meio de um formulário desenvolvido especialmente para tal fim, visando identificar se as políticas públicas estavam sendo devidamente prestadas nesses lugares — explica a defensora pública Karine Terra, do 3° Núcleo Regional de Tutela Coletiva, uma das idealizadoras do projeto.

Após as visitas de monitoramento, a Defensoria começou a oficiar os municípios para garantir não só que esses direitos fossem cumpridos, mas também ressaltar a importância dos quilombos e do movimento de resistência e proteção identitária e cultural dessas comunidades tradicionais. 

Durante a ação social do último sábado, foram atendidos os Quilombos Sobara, Maria Romana, Fazenda Espírito Santo, Preto Forro, São Jacinto, Baía Formosa, Botafogo e Botafogo Caveira.  O projeto é uma iniciativa da Coordenação de Promoção de Equidade Racial (Coopera), da Coordenadoria de Tutela Coletiva (Cotutela) e da Coordenadoria Geral de Programas Institucionais (COGPI) da Defensoria do Rio, da Ouvidoria Externa da DPRJ, com apoio do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) e da Fundação Escola Superior da DPRJ (Fesudeperj), da Defensoria Pública da União, do 3° Núcleo Regional de Tutela Coletiva e da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Estado do Rio de Janeiro (ACQUILERJ).

Texto: Jéssica Leal
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