O Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou o interrogatório de um adolescente em medida socioeducativa, determinando que este fosse posto em liberdade e novamente ouvido ao final da instrução do processo, após a coleta de provas e o depoimento das testemunhas.  O Habeas Corpus, concedido no dia 30 de novembro de 2022, foi o primeiro obtido pela Defensoria do Rio de Janeiro desde que, em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou precedente, reiterando que o direito à última palavra de toda pessoa acusada da prática de crime é extensivo a suspeitos de terem praticado ato infracional.

— O Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar de ser uma lei bastante avançada em inúmeros pontos, não assegurava ao adolescente exprimir sua opinião em todas as fases do procedimento, em especial após a produção de todas as provas. Isso estava em desacordo com as regras aplicadas aos adultos, e também com manifestações do Comitê sobre Direitos da Criança, órgão da Organização das Nações Unidas encarregado de zelar pela implementação da Convenção sobre os Direitos da Criança — explica o coordenador de Infância e Juventude da Defensoria do Rio, Rodrigo Azambuja. 

O defensor público Pedro Carriello, que atua junto aos tribunais superiores e autor do Agravo Regimental no HC concedido pelo STJ, ressaltou ter havido violação do direito à ampla defesa, uma vez que o artigo 400 do Código do Processo Penal (CPP) também deve ser aplicado aos processos com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A decisão reformou acórdão da 5ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, que não acatara o argumento da Defensoria em favor da nulidade do depoimento prestado ao início do processo. 

“Ao indeferir a oitiva do adolescente ao final há manifesta violação à ampla defesa, visto que o paciente só poderá trazer sua versão dos fatos em momento anterior à oitiva das testemunhas arroladas pelo Ministério Público. Entende a defesa que após a coleta da prova testemunhal, deve o adolescente ser ouvido, para trazer a sua versão dos fatos, se assim requerer, direito que não foi assegurado pela autoridade coatora no caso concreto”, destacou Carriello.

Precedentes

A aplicação do artigo 400 do CPP a processos com base no ECA teve duas decisões favoráveis no STF, esse ano, publicadas em 7 de abril e 28 de agosto. A primeira delas, proferida pelo ministro Ricardo Levandowski no HC 212693, atendeu a pedido da Defensoria Pública do Paraná para que dois adolescentes apreendidos por ato infracional equiparado ao crime de tráfico de drogas fossem ouvidos também ao fim da audiência de instrução, e não apenas durante a audiência de apresentação dos jovens. Ambos tiveram a sentença anulada.

O STJ, que agora acatou o pedido dos defensores públicos do Rio de Janeiro, havia negado a solicitação dos defensores do Paraná, que então recorreu ao STF, surgindo, assim, o precedente.  

A decisão do ministro Levandowski foi considerada foi um marco pela Comissão de Promoção e Defesa da Criança do Adolescente do Colégio Nacional de Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege) e pela Comissão de Infância e Juventude da Associação Nacional de Defensoras e Defensores Públicos (Anadep), que, emitiram Nota Técnica, segundo a qual “o novo entendimento apenas compatibiliza as garantias e objetivos da justiça juvenil”.

“A decisão apenas compatibiliza diversas garantias convencionais e objetivos da justiça juvenil: intervenção precoce; preferência pela utilização de métodos não judiciais; e direito de ser ouvido em todas as fases do processo, essa última até então ignorada pela legislação nacional, que não previa o direito de o adolescente ser escutado na fase do julgamento, imediatamente após a inquirição de testemunhas e peritos”, resume o documento.

Pela Defensoria do Rio, assinam a Nota Técnica o também coordenador da comissão do Condege, Rodrigo Azambuja, e a subcoordenadora de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cdedica) e integrante da comissão da Anadep, Raphaela Jahara.

“O julgado em nada abala o direito de o adolescente ser apresentado imediatamente à autoridade judiciária, o que se faz pela audiência de apresentação, além da prévia entrevista com seu defensor/defensora para que seja adequadamente informado das acusações, e possa participar efetivamente do procedimento”, ressalva o texto.



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