Dos títulos conquistados na vida - e não são poucos –, a antropóloga Rosiane Rodrigues recebeu o de mãe por três vezes: como yalorixá na tradição do candomblé, como genitora e responsável pelos três filhos de sangue e, após muita luta na Justiça, como a detentora da guarda do filho mais novo. Obtida a partir da atuação do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), a sentença judicial com tal entendimento encerra o caso de intolerância religiosa que resultou na perda temporária do convívio dela com o caçula, conforme relatou a também jornalista e escritora na abertura do seminário "Somos muitas, múltiplas e misturadas", na quinta (12).

O evento encerrado na sexta (13) comemorou os 18 anos de atuação do Nudem com uma série de debates protagonizados apenas por mulheres e sobre temas abordados a partir do olhar de cada uma delas, em evidente ação de reconhecimento pela produção do saber. Em dois dias de encontros no auditório do segundo andar da sede da Defensoria Pública do Rio, as participantes apresentaram o viés enriquecedor de outras ciências e de diversas áreas do Direito, debatendo as questões da mulher nos movimentos sociais, no mundo jurídico e no acadêmico.

Do preconceito religioso ao acesso igualitário à Justiça, os temas em pauta no seminário também abordaram a invisibilidade da mulher migrante, o discurso da medicina e do Poder Judiciário sobre a mulher trans e a violência obstétrica, bem como o aborto e os direitos sexuais e reprodutivos e até mesmo o funk e o empoderamento feminino. Recorrente nas rodas de discussão, o advento da Lei Maria da Penha também ganhou destaque no discurso do defensor-geral do Estado, André Castro, durante a abertura do evento.
 
- A Lei Maria da Penha é um marco normativo no país não apenas pelo tratamento específico, o que já é de extrema importância, mas também porque traz para a legislação brasileira conceitos mais modernos e que depois foram se espraiando pelo sistema. Entre tantas outras medidas, a Lei Maria da Penha é bastante revolucionária e trouxe um efeito muito positivo ao ordenamento jurídico - frisou Castro.
 
Em seu discurso, o defensor-geral ressaltou a ideia da política de enfrentamento à violência contra a mulher que, segundo a lei, deve ser promovida em trabalho integrado nas mais variadas esferas. E entre elas está a própria Defensoria Pública, a primeira dos estados a ter um núcleo especializado na defesa dos direitos da mulher em sua estrutura. O Nudem foi criado pela DPRJ em 1997, ou seja, bem antes da implementação da Lei Maria da Penha.
 
- A partir do momento em que começamos a lidar com as questões da mulher, passamos a vivenciar as fragilidades dela e percebemos uma grande missão à nossa frente. Há 15 anos me dedico a essa causa na Defensoria Pública e, com certeza, é muito gratificante chegar como coordenadora do Nudem na comemoração dos 18 anos do órgão - afirmou a defensora pública Arlanza Rebello.

Debates continuaram durante toda a sexta-feira

Já o segundo dia de atividades do seminário “Somos muitas, múltiplas e misturadas” foi iniciado às 9h30 com o painel “O Olhar sobre o Corpo Livre”. Compondo a mesa estava a juíza da 15ª Vara de Família do Rio, Maria Aglaé Tedesco Vilardo; a médica e coordenadora do Núcleo de Vigilância Hospitalar do Hospital Universitário Gaffrée / Unirio, Maria Aparecida de Assis Patroclo; a socióloga Clara Araújo; a coordenadora do Grupo de Violência de Gênero, Cristiane Brandão; e a educadora social Saney Souza.

Após a discussão sobre abordagem da escola na questão de gênero, a figura do chamado pai ausente e a violência obstétrica, entre outros temas, foi aberto o painel “A Experiência do Corpo Livre”. Participaram dessa segunda roda de debates a coordenadora do Transrevolução do Grupo Pela Vidda / RJ e assessora do mandato do deputado federal Jean Wyllys, Alessandra Ramos; a geógrafa, professora e coordenadora do Grupo de Estudo de População (Gepop / UFRJ), Gislene Santos; a enfermeira obstetra e parteira domiciliar Maíra Libertad Soligo Takemoto; a doutoranda em Ciências Sociais na Puc-Rio, Mariana Gomes; bem como a advogada e professora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (Iesc / UFRJ), Miriam Ventura; e também a educadora social Saney Souza.

As mesas de debate tiveram a mediação da coordenadora do Nudem, defensora pública Arlanza Rabello; da coordenadora do Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora), Lívia Casseres; e das defensoras públicas Flávia Nascimento, Judith Régis e Karine Vasconcellos.

O evento concedeu oito horas de estágio, pela OAB, aos estudantes de Direito e contou com o apoio do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur) e da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio (Fesudeperj).

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Texto: Bruno Cunha



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