Foi em um pequeno barquinho a motor que a equipe da Defensoria Pública do Rio de Janeiro atravessou as agitadas águas da costa de Paraty em direção a comunidade caiçara de Ponta Negra para realizar a primeira formatura dos alunos do projeto Acesso à Justiça nos Territórios (AJT), realizada em 11 de outubro.

O projeto, desenvolvido pela Ouvidoria Externa e pela Coordenadoria Geral de Programas Institucionais (COGPI) , tem como foco localidades onde há falta de serviços públicos de qualidade, além de outros fatores que dificultam que cidadãs(ãos) consigam acessar o sistema de justiça. Mais de 400 lideranças e coletivos de quase 30 municípios do estado se inscreveram para a primeira edição do Programa.

Durante a solenidade de formatura, que aconteceu na associação de moradores da comunidade, as(os) quatro alunas(os) das regiões de Paraty, Pinheiral, Ponta Negra e Porto Real receberam o certificado de conclusão do curso e uma apostila com todo o conteúdo do projeto. Todos as(os) formandas(os) passaram por uma capacitação sobre os caminhos do acesso à justiça e agora são consideradas(os) “parceiras(os) da Defensoria”.

— Foi uma oportunidade incrível, eu acredito que esse é um programa que tem que ser potencializado, a gente tem que encher os territórios de alunos do AJT. Eu aprendi muito e com certeza todos os outros formandos estão saindo deste curso com todas as ferramentas para garantir os direitos de todas e todos em cada comunidade e periferia do Estado — conta Julia Borges da Rede Internacional Alternative Global City, uma das primeiras formandas do curso.

As aulas aconteceram durante os meses de agosto e setembro e tiveram como tema principal como traçar os caminhos da justiça em diferentes cenários: urgência de saúde, questões de guarda, alimentos, acusação criminal, direito do consumidor, acesso a serviços básicos, política de moradia e direitos sociais. Integrantes da própria DPRJ participaram dos encontros de formação.

— Através dessa iniciativa, as pessoas formadas no “AJT” vão poder orientar cada vez melhor as pessoas das comunidades onde atuam, além de realizar rodas de conversa e oficinas sobre seus direitos. A Defensoria também disponibilizará atendimento direto pelo Whatsapp para suporte a essas lideranças e coletivos em casos de vulneráveis, além de realizar junto com elas as diligências de território nas áreas onde houver uma parceira ou parceiro — explica a chefe de gabinete e coordenadora de Programas Institucionais da DPRJ, Carolina Anastácio. 


Dificuldade em acessar direitos básicos

Afastada do centro de Paraty, a pequena Ilha escolhida para sediar a formatura do ATJ, abriga mais de 250 habitantes que reclamam da dificuldade em acessar direitos básicos como água encanada, saneamento, educação e saúde. Segundo as(os) moradoras(es), o único posto de saúde da comunidade está sempre vazio e com falta de medicamentos, bem como a escola, que quase não tem aulas. 

— Ponta Negra ficou sem médico por quase um ano. Voltou agora. Ele vem de vez em quando e faz consulta, receita etc. Em situações de emergência, é preciso ir para o hospital em Paraty. Agora, o que falta na comunidade são remédios básicos. Não tem nem pra dor de cabeça. Faz falta também um pediatra e um ginecologista. Há pessoas com uso de medicamentos controlados e dificuldade de acesso gratuito — reclama a moradora, Josiana Costa. 

Outra queixa relatada é em relação à única escola da região, que é multisseriada (pré-escola e ensino fundamental) e que não tem professores suficientes para atender a demanda de alunos. 

— Não está tendo aula, pois as(os) professoras(es) não possuem alojamento e têm que alugar casa se quiserem trabalhar na comunidade. Diante dessa falta, não há regularidade com relação aos dias e horários de aulas. A gente se vira para tentar não deixar as crianças sem estudar, mas muitos moradores não têm nem o ensino básico completo — explica o presidente da Associação de Moradores de Ponta Negra, Cauê Villela. 

O acesso à internet na comunidade também é precário, garantido apenas por uma antena instalada pelo próprio Cauê. Mesmo assim, a conexão é difícil de se manter pois a rede elétrica fornecida pela concessionária é instável e as placas de energia solar localizadas na associação de moradores e na escola estão com defeito.


Sete pessoas morreram em Ponta Negra com as chuvas de abril

Em 19 de abril de 2022, a Ouvidoria da Defensoria Pública do RJ compareceu à comunidade para realizar uma visita técnica com foco nas demandas decorrentes dos estragos produzidos pelas chuvas que assolaram a região.  Lá, sete pessoas da mesma família morreram soterradas após um deslizamento de terra.

Para o Ouvidor-Geral, Guilherme Pimentel, que esteve presente na primeira visita ao local, a situação de extrema vulnerabilidade desta população se tornou ainda mais grave quando a comunidade foi atingida pelas chuvas. Mesmo com as insistentes cobranças da Defensoria, seis meses depois, pouca coisa avançou. 

— Identificamos diversas demandas decorrentes da falta de políticas públicas na comunidade e estamos produzindo um relatório para que o 2° Núcleo de Tutela Coletiva que atua na região possa auxiliar os moradores dessa comunidade caiçara para que tenham soluções rápidas e novas tragédias possam ser prevenidas — reiterou Pimentel. 


Defensoria solicita medidas urgentes para reverter a situação vivida pelos moradores 

Segundo o defensor público responsável pelo 2° Núcleo de Tutela Coletiva da região, João Helvécio de Carvalho, a Defensoria solicitou o pagamento do aluguel social para os moradores que tiveram casas soterradas pelos deslizamentos. Presente na formatura, o defensor também informou às(aos) moradoras(es) que pediu a instalação de sirenes de alertas em caso de novas chuvas, além da realização de um laudo pericial das áreas de risco de desabamento na comunidade. 

— Nossa luta na Justiça é para conseguir a requalificação e a construção das moradias afetadas, com pagamento de aluguel social até a entrega das casas. Pedimos ainda a instalação de sirenes nas regiões de maior risco, a recuperação das áreas degradadas com recanalização de rios, a remoção de pedras, drenagem e contenção de encostas e a construção de pontos de apoio seguros, além de informações seguras sobre a utilização dos recursos recebidos pela Prefeitura por conta do desastre — explica Helvécio.

Texto e fotos: Jéssica Leal.
Confira as fotos aqui.



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