Os conflitos sociais envolvendo religiões no Brasil estão na mesma situação de países como Sudão, França e Bósnia, alerta a antropóloga, jornalista e escritora Rosiane Rodrigues. A informação baseada em pesquisa realizada por um organismo internacional, em 2013, foi lembrada por ela durante o seminário "Somos muitas, múltiplas e misturadas", que comemorou os 18 anos do Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), na quinta (12). Mas será novamente levada em consideração durante palestra da também yalorixá no Encontro de Religiões, Direitos Humanos e Acesso à Justiça, na segunda (13), na Defensoria Pública do Rio.

O próximo seminário acontece como parte das celebrações pelo Dia da Consciência Negra e será promovido pelo Núcleo Contra a Igualdade Racial da DPRJ (Nucora). Em reunião com diversas lideranças das religiões de matriz africana e de movimentos sociais, além de defensores públicos e demais atores do sistema de Justiça, o evento marcará o lançamento da cartilha "Andar com Fé eu Vou" em meio à discussão das mais variadas questões.

Entre elas, a exposta por Rosiane nas comemorações pelos 18 anos de combativa atuação do Nudem. Com os olhos marejados de gratidão, a sacerdotisa do candomblé e filha de Iemanjá expôs ao público o seu caso pessoal de discriminação religiosa sofrida dentro do próprio Judiciário. Logo no início de sua palestra, lembrou que o ocorrido “é algo cotidiano, normal e habitual nas Varas de Família do Brasil afora”.
 

Segundo Rosiane, a Justiça determinou a perda temporária da guarda do filho mais novo para o pai, em 2007, quando ambos eram parte em simples ação de regulamentação de visitas. A decisão, de acordo com o relato, baseou-se em laudo produzido pela equipe técnica do Fórum de Jacarepaguá, composta por uma assistente social e uma psicóloga, que observou, entre outros pontos, "imagens do candomblé pela casa, o uso de velas e também um cachorro na varanda”.
 
- A luta pelos direitos é feita de dor e essa dor é diária. Nós somos uma família do candomblé, que, para manter o direito de professar a nossa fé, lutamos todo dia. Uma organização internacional de monitoramento de conflitos religiosos ao redor do mundo demonstra, com dados de 2013, que os conflitos sociais envolvendo religiões no Brasil estão na mesma situação de países como Sudão, França e Bósnia – alertou a antropóloga.
 
Também participante do seminário, a advogada e coordenadora executiva da Cepia, Leila Linhares, observou que a mudança na prática de uma “Justiça discriminatória” ainda é muito recente, provavelmente iniciada a partir da implementação da Constituição Federal de 1988.
 
- Muitas vezes nos deparamos com a situação contada por Rosiane: a de uma Justiça extremamente discriminatória. E a mudança desse quadro tem sido a luta das mulheres e das feministas brasileiras. Até 1988, nossos direitos eram extremamente reduzidos por um Código Civil e nos víamos como pessoas tuteladas pelo pai ou pelo marido. Éramos membros colaboradoras na relação familiar e, se não gostássemos das atitudes dos nossos parceiros, nos cabia apenas recorrer à Justiça. Uma Justiça discriminadora! – pontuou Leila Linhares.
 
A advogada lembrou ainda que o poder de dominação sobre a mulher antecede a Constituição de 1988 e, apesar das garantias de igualdade previstas na legislação, o problema persiste nos dias atuais “e, muitas vezes, nas instituições da Justiça”.
 
- Enquanto a Defensoria Pública do Rio cria o Nudem em 1997, o Poder Judiciário só cria um mecanismo específico e voltado às mulheres em 2006, com o advento da Lei Maria da Penha. Ao receber essa demanda, a gente percebe que a possibilidade de o Judiciário respondê-la a contento está muito condicionada à ação da Defensoria. Quando as mulheres não têm uma atenção qualificada para o seu acesso à Justiça, por mais direitos que nós tenhamos nas leis, não teremos esse acesso – criticou a advogada.

Texto: Bruno Cunha



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