Federalização de casos tem impedido que população consiga de fraldas a medicamentos de alto custo

 

A pequena Luiza, 2 anos, é portadora da Atrofia Muscular Espinhal (AME), doença rara e degenerativa cujo medicamento custa cerca de R$1,5 milhão, a aplicação. Sem condições de pagar esse valor, a família recorreu à Defensoria Pública do Rio e obteve na Justiça comum o direito de que a prefeitura da capital fluminense custeasse o tratamento. A decisão, no entanto, não foi cumprida, e a Defensoria pediu bloqueio de recursos públicos para a família comprar o medicamento. A Prefeitura recorreu e a justiça decidiu suspender o processo e informou que mandaria o caso para a Justiça Federal, atrasando o acesso à medicação.

A história de Luíza é uma entre os muitos casos que estão sendo prejudicados devido a interpretação equivocada do tema 793, pela 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. Ao centralizar todas as demandas de saúde na Justiça Federal, a tese caminha na contramão dos princípios constitucionais de regionalização e descentralização dos serviços e políticas públicas de saúde, arriscando a própria sustentabilidade do SUS.

Antes, os pedidos de medicamentos, insumos e serviços de saúde podiam ser feitos indiscriminadamente a qualquer ente federativo (União, Estados e Municípios), em conjunto ou isoladamente, o que facilitava o acesso à Justiça e a tutela eficiente do direito constitucional à saúde e à vida. Porém, a pedido das Procuradorias dos Estados e Municípios, sob o fundamento de que a União deve figurar nas demandas de ações, medicamentos e serviços financiados por ela ou não incorporados ao SUS, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou a inclusão obrigatória da União no polo passivo de tais demandas, contrariando a decisão anterior do Tema 793. Com isso, os processos passaram a ser extintos e deslocados, mesmo sem apreciação do pedido de tutela de urgência, para a Justiça Federal, retardando ainda mais o acesso à prestação jurisdicional em nítido retrocesso social.

– É preciso lembrar que, além das ações terem que recomeçar do zero, a Justiça estadual e Defensorias estaduais têm muito mais capilaridade que a Justiça Federal e Defensoria Pública da União em todo o País, e o resultado é a ainda maior dificuldade no acesso à Justiça – destacou a coordenadora de saúde e tutela coletiva, Thaisa Guerreiro.

Na prática, a situação dos que necessitam de medicações específicas é ainda mais aflitiva. Os magistrados estaduais passaram a entender que a regra é, em todo e qualquer caso, sempre ter a União como ré e, portanto, cabe, em qualquer circunstância, enviar o processo para a Justiça Federal. Há exemplo de uma criança com hidrocefalia que não recebe fraldas há um ano porque a juíza optou por federalizar o pedido, o que foge do que foi votado no STF.

Carina Ferraz, defensora pública que atuou no caso da pequena Luíza, afirma que o número de processos extintos e com declínio para Justiça Federal na Capital vem aumentando exponencialmente a cada dia. 

- Apesar dos nossos esforços com recursos das decisões, as respostas ainda não são satisfatórias. Isso deixa os cidadãos sem qualquer acesso aos medicamentos e insumos desde os mais simples, como fraldas, aos mais complexos, como medicamentos para tratamento de câncer, colocando em risco a saúde e a vida daqueles que tinham a justiça como última alternativa para garantir o acesso a saúde digna.

 

Texto: Jaqueline Banai



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