Mais de 20 mil famílias conviveram com a insegurança alimentar

Mais de 20 mil famílias conviveram com a insegurança alimentar durante a pandemia segundo relatório produzido pela Ouvidoria Externa da DPRJ
Enquanto o mundo se preocupava com as mortes causadas pela pandemia da Covid-19, a insegurança alimentar assolava o dia a dia de famílias cariocas, sobretudo aquelas que dependiam da merenda escolar para garantir a alimentação de seus filhos. Sem renda e com os filhos em casa em tempo integral, muitos pais conviveram com a angústia de não terem como prover todas as refeições do dia.
Apesar de ser um direito previsto em lei, a garantia à alimentação infantil não vem sendo cumprida na cidade do Rio de Janeiro, como mostra um relatório produzido pela Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Rio. De acordo com as respostas coletadas por meio de um formulário online, a Defensoria recebeu dados de pelo menos 31 mil crianças matriculadas na rede municipal de ensino que não receberam as recargas atrasadas no cartão alimentação estudantil, cujo pagamento foi determinado por uma decisão da justiça.
Ao longo dos seis dias em que ficou aberto (entre 26 de abril e 1 de maio), o canal de envio de denúncias do não pagamento das recargas atrasadas teve a participação de 20.610 famílias denunciando não terem recebido os valores a que tinham direito. Dessas, 3.360 famílias declararam terem recebido a recarga de apenas parte dos estudantes que estão sob sua responsabilidade.
As respostas são referentes a famílias que vivem em 148 bairros do Município do Rio de Janeiro, a maioria delas é moradora da Zona Oeste da cidade. Os dez bairros que mais registraram reclamações foram Campo Grande (10,1%), seguido de Santa Cruz (8,8%), Bangu (6,6%), Jacarepaguá (4,3%), Guaratiba (3,9%), Paciência (3,6%), Realengo (3,4%), Senador Camará (2,7%), Cosmos (2,5%) e Sepetiba (2,5%). O documento também mostrou que a maior parte das famílias que participaram da pesquisa, possuem dois ou mais filhos dependentes do benefício.
O benefício do cartão alimentação é resultado de uma ação judicial movida pela Defensoria em 2020, por meio de uma atuação conjunta entre a Ouvidoria, a Coordenadoria dos Direitos da Criança e do Adolescente e movimentos sociais. O objetivo era garantir a segurança alimentar dos estudantes que deixaram de receber merenda quando as aulas foram suspensas em razão da pandemia da Covid-19. Entretanto, nos meses de agosto, setembro e outubro de 2021, a Prefeitura interrompeu a recarga dos cartões, com a justificativa de que as aulas já haviam retornado de modo presencial em grande parte das escolas. Dessa forma, os alunos que permaneceram no ensino remoto ou híbrido ficaram sem o auxílio.
— O resultado desse levantamento será levado a conhecimento da Vara da Infância e Juventude, para mostrar que o Município do Rio de Janeiro segue em mora, e que o número de alunos que deveriam receber a recarga dos cartões é infinitamente maior do que aquele declarado nas petições e documentos enviados — explicou o coordenador de infância e juventude da Defensoria, Rodrigo Azambuja, que afirma que diversas medidas serão pleiteadas ao Poder Judiciário para acertar o pagamento dos cartões.
Famílias relatam dificuldade em conseguir comprar alimentação
No formulário, muitas famílias aproveitaram a plataforma para relatar a difícil situação que estão passando sem a recarga dos cartões.
— Tenho três filhas e nenhum dos cartões recarregou. Estou desempregada, preciso pagar o aluguel e estou passando fome com as minhas meninas. Uma das minhas filhas tem problemas de saúde mental e eu vivo de doações que recebo. Preciso dessa recarga para comprar comida porque não temos nada em casa — relata uma mãe, moradora da comunidade de Manguinhos.
— Eu, infelizmente, sou mãe solteira, crio com muita dificuldade minhas filhas sem benefício algum do governo. Passamos muita dificuldade, a alimentação na escola pra elas é essencial, dependem da escola para uma alimentação balanceada. Acho injusto com as crianças essa covardia que fizeram em não carregar o cartão. Tiraram mais uma chance de uma boa alimentação em casa, já que ficou extremamente prejudicada durante a pandemia — desabafa outra mãe.
Brasil no Mapa da Fome
Em 2018, em retrocesso inédito, o Brasil voltou a figurar entre os países que constam no chamado “Mapa da Fome”. Com o surgimento do novo Coronavírus e os efeitos da pandemia, houve uma queda brusca de rendimentos das famílias brasileiras e, portanto, o aumento da importância de políticas públicas de garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional da população.
Para o Ouvidor-Geral, Guilherme Pimentel, mesmo com esse quadro desolador no país, é possível perceber inúmeros casos de esvaziamento de políticas públicas de combate à fome, como é o atual quadro do direito à alimentação escolar no Município do Rio de Janeiro.
— Conforme demonstrado no relatório, milhares de famílias enviaram dados à Defensoria Pública para informar o não recebimento das recargas atrasadas do cartão alimentação escolar, referentes aos meses de agosto, setembro e outubro de 2022. Além de significar descumprimento de decisão judicial, a não recarga vai na contramão das necessidades da população brasileira, em especial a população carioca, que neste momento confia à — afirma Pimentel.
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