No ano passado, enquanto os atletas brasileiros lutavam por medalhas nas Olimpíadas de Tóquio, o judoca Adalberto da Silva acompanhava as competições pela TV. E sonhava. O atleta, que nasceu surdo e trilhou sua vida através do esporte, chegando a conquistar mais de 200 medalhas, imaginava-se dando continuidade em sua trajetória nos tatames nas Surdolimpíadas (Deaflympics) que acontecerá no Brasil em maio deste ano.

O sonho de Adalberto, porém, foi frustrado nas últimas semanas quando, para sua surpresa e imensa indignação, o atleta teve sua inscrição indeferida na participação da seletiva nacional das Surdolimpíadas sob o argumento de que estaria inativo na Confederação Brasileira de Judô, que é voltada para atletas ouvintes (pessoas não surdas).

A seletiva nacional é organizada e regulamentada pela Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), associação a qual Adalberto está regularmente vinculado, entretanto, de forma contraditória com a história do Judô de Surdos no Brasil, eles passaram a exigir que os atletas também estivessem associados à Confederação Brasileira de Judô.

Sem saber como agir diante da situação, o atleta procurou o Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência (NUPED) da Defensoria Pública do Rio (DPRJ), que entrou com um pedido de tutela de urgência para que Adalberto tivesse o direito de participar da seletiva nacional, sem ser obrigado a se associar à Confederação Brasileira de Judô. A decisão foi favorável e garantiu que o atleta conseguisse competir. 

Para o defensor público e coordenador do NUPED, Pedro González, o caso de Adalberto representa uma quebra de isonomia, princípio constitucional segundo o qual todos são iguais perante a lei. “Se o atleta ouvinte não precisa estar filiado a uma federação de pessoas surdas, por que o atleta surdo precisa estar vinculado a federação de surdos e de ouvintes? Isso não se justifica”, explica o defensor. 

Outro aspecto importante, também ressaltado por González, é a questão identitária. “As pessoas surdas se identificam como uma comunidade, para isso, eles têm a sua própria competição, as surdolimpíadas. Seria uma agressão muito clara à questão identitária obrigar um atleta surdo a estar filiado a uma federação de ouvintes a qual ele não se identifica. É uma agressão à sua própria identidade enquanto pessoa surda”, completa.

A ação ainda segue para garantir que Adalberto possa participar de futuras competições também sem precisar se filiar à federação de ouvintes.

“Em toda a minha trajetória, essa foi a primeira vez em que eu passei por algo do tipo. Essa foi uma situação muito humilhante para todos os atletas surdos que também tiveram a inscrição negada. Se não fosse a ajuda da Defensoria, eu não teria conseguido participar da seletiva” explica Adalberto.



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