"Era algo que eu nem esperava por ser uma pauta mais recente no Brasil e, por isso, achei que fosse demorar muito ainda, mas foi tudo bem rápido e fácil", disse Igor Sudano, uma das 47 pessoas não binárias que conquistaram o direito de alterar seu nome e gênero na certidão de nascimento através de uma ação social inédita, promovida pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Homoafetivos e Diversidade Sexual da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), em parceria com a Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Estado (TJRJ). 

A ação, realizada em novembro, garantiu decisões judiciais favoráveis para pessoas transgêneras e não binárias alterarem suas certidões de nascimento. As sentenças determinaram a requalificação civil para “não binarie”, nomenclatura inédita no sistema de justiça brasileiro, que utiliza, inclusive, linguagem neutra. O termo se refere a pessoas que não se identificam nem como homem, nem como mulher. O cumprimento das decisões foi imediato pelos cartórios.

Em vigor desde 2017, a orientação do Supremo Tribunal Federal (STF) para os cartórios realizarem requalificação civil sem ação judicial não vem sendo estendida aos não binários. Na prática, o grupo precisa recorrer ao Judiciário para obter a alteração do prenome e do gênero em sua documentação, um processo demorado e exaustivo. 

– Eu que trabalho com internet, às vezes, recebo mensagens de ódio questionando de forma debochada "o que está na sua identidade?" e agora eu posso mostrar meus documentos que me representam. É uma forma de legitimação e, também, defesa contra o preconceito – relatou Sudano, que atua como digital influencer nas redes sociais.

Gael Guerreiro também participou da ação e já está com seus documentos alterados em mãos. 

– A gente tem pressa, pois a partir do momento que você se reconhece não binarie, sua antiga identidade te aprisiona e ter essa nova identidade te liberta. Ser reconhecide pela sociedade com meus documentos é me proteger de uma violência. Ser chamade pelo pronome errado, pelo nome errado, é uma violência. Você sente que não pertence, que não merece ser aceite por ser quem você é. Mas existem pessoas que estão do nosso lado, como o Nudiversis, e hoje tenho um carinho muito especial por toda atenção e respeito prestados. Foi uma surpresa o processo ser tão rápido! – contou Gael que é astrólogue e estudante de antropologia na UFF.

A coordenadora do Nudiversis, defensora Mirela Assad, vem trabalhando essa demanda de documentação junto ao Detran. Em reunião realizada com a participação da defensora Fátima Saraiva e com diretor de identificação civil do DETRAN, foram alinhadas tratativas quanto ao pedido de alteração do sistema para inclusão da opção "não binarie" na hora da emissão do documento.
 
— A diretoria do DETRAN se mostrou muito receptiva ao pleito da Defensoria Pública e acreditamos que, em breve, o sistema de identificação civil incluirá a opção “não binarie” para emissão das carteiras de identidade - destacou a defensora.

 

Texto: Jaqueline Banai



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