A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, à qual incumbe, essencialmente, a promoção dos direitos humanos e a defesa integral dos direitos individuais e coletivos, vêm a público, por meio da presente Nota, manifestar-se a respeito da importância da vacinação obrigatória para a contenção da pandemia da COVID-19.

O avanço do novo coronavírus - Covid-19 - e a declaração de pandemia global pela Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou a necessidade de adoção de medidas severas por todos os entes federativos para contenção dos inevitáveis e irreversíveis danos gerados pela rápida transmissão do vírus, o que inclui a vacinação compulsória nos termos do art. 3º, III, “d”, da Lei nº 13.979/20 (já declarada, no ponto, constitucional pelo Supremo - ADI nº 6586 / DF).

É consenso científico, entre as autoridades sanitárias do Brasil e do mundo, que a vacinação em massa da população constitui uma intervenção preventiva, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e a provocar imunidade coletiva, fazendo com que os indivíduos tornados imunes protejam indiretamente os não imunizados.  

Por isso, a vacinação é historicamente, em sua essência, uma medida de prevenção à saúde compulsória, que necessita ser cumprida e observada pela população brasileira como uma medida necessária à garantia dos direitos fundamentais individual e coletivo à saúde e à vida. E, portanto, de todos os direitos fundamentais, inclusive as liberdades positivas que destas decorrem inexoravelmente. Não se pode jamais olvidar: o direito à saúde e à vida são direitos basilares, verdadeiros pressupostos, lógica e ontologicamente antecedentes, a todos os demais direitos fundamentais constantes da Constituição Federal.

Não há como sustentar legitimamente a defesa dos direitos fundamentais à isonomia e à liberdade mediante a invocação de instrumentos que repudiam a defesa da saúde e da vida da população, composta, essencialmente, por todos os interesses individuais envolvidos.

No Brasil, o marco legal da vacinação obrigatória foi institucionalizado pela Lei 6.259/1975, regulamentada pelo Decreto 78.231/1976, diplomas normativos que detalharam a forma como o Programa Nacional de Imunizações seria implementado no país.

E exatamente no intuito de garantir o cumprimento da lei, a Portaria 597/2004 do Ministério da Saúde instituiu inúmeras medidas indiretas, de restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, que há muito vigoram, sem oposição, em nosso ordenamento jurídico e convivência social. Confira-se:

 

“Art. 4º O cumprimento da obrigatoriedade das vacinações será comprovado por meio de atestado de vacinação a ser emitido pelos serviços públicos de saúde ou por médicos em exercício de atividades privadas, devidamente credenciadas pela autoridade de saúde competente.

[...] Art. 5º Deverá ser concedido prazo de 60 (sessenta) dias para apresentação do atestado de vacinação, nos casos em que ocorrer a inexistência deste ou quando forem apresentados de forma desatualizada.

§ 1º Para efeito de pagamento de salário-família será exigida do segurado a apresentação dos atestados de vacinação obrigatórias estabelecidas nos Anexos I, II e III desta Portaria.

§ 2º Para efeito de matrícula em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade o comprovante de vacinação deverá ser obrigatório, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.

§ 3º Para efeito de Alistamento Militar será obrigatória apresentação de comprovante de vacinação atualizado.

§ 4º Para efeito de recebimento de benefícios sociais concedidos pelo Governo, deverá ser apresentado comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria.

§ 5º Para efeito de contratação trabalhista, as instituições públicas e privadas deverão exigir a apresentação do comprovante de vacinação, atualizado de acordo com o calendário e faixa etária estabelecidos nos Anexos I, II e III desta Portaria”.

 

Como bem aduziu o Supremo, a obrigatoriedade da vacinação não contempla a imunização forçada, porquanto é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou à frequência de certos locais que se afiguram legítimas e proporcionais ante o objetivo maior de promover a saúde e a vida coletivas, e todos os demais direitos fundamentais que, como visto, delas decorrem.

Em tal contexto, a rigor, a previsão de vacinação compulsória contra a Covid-19, determinada na Lei 13.979/2020, não seria sequer necessária, porquanto a legislação sanitária, em particular a Lei 6.259/1975 (arts. 3º e 5º), já contempla a possibilidade da imunização com caráter obrigatório.

Nesse passo, a oposição a medidas restritivas impostas, atualmente, de forma análoga, pelos entes federativos (a exemplo, Decreto Rio nº 49335 de 26 de agosto de 2021) para garantir o cumprimento da vacinação compulsória contra a COVID-19, no seio de uma pandemia mundial sem precedentes, não parece razoável, já que, em sua essência, tais restrições, além de escoradas em evidências científicas, são toleradas e há muito consideradas adequadas pela sociedade.

A Constituição e a lei, insculpidas pelos representantes do povo, há muito decidiram que a imposição de medidas restritivas para a garantia da vacinação compulsória é medida necessária, proporcional e legítima como forma de dar concreção aos direitos sociais à saúde e à vida, de modo que o seu desrespeito configura verdadeiro risco à democracia e à construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de promover o bem de todos.

 

Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2021.



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