“O STF afirma que a legítima defesa da honra não é tecnicamente legítima defesa, mas todos os bens jurídicos que são acolhidos pela Constituição Federal, e a honra também é um deles, são passíveis de serem defendidos. O que não pode se admitir é que em nome da honra se esteja autorizado a matar mulheres, porque isso revela um discurso de ódio e misoginia inaceitável, que não é possível tolerar.” Sob a ótica da violência contra a mulher, essa foi a análise feita pela coordenadora de Defesa Criminal, Lúcia Helena de Oliveira na última quinta-feira (18), durante a webinar promovida no canal do Youtube da Defensoria Pública do Rio de Janeiro sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779 a respeito da tese de legítima defesa da honra. 

Com a nova medida, referendada no dia 12 de março, os advogados de réus não poderão mais sustentar, direta ou indiretamente, a tese de legítima defesa da honra nas fases pré-processual, processual penal e perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento. Embora a decisão do ministro do STF Dias Toffoli seja considerada uma conquista no combate à violência de gênero, a ADPF 779 esbarra em outros princípios constitucionais. Dessa forma, ao invalidar a tese da legítima defesa da honra como tentativa de frear a violência contra a mulher, a medida pode se tornar um problema em outros âmbitos da justiça em um futuro próximo, sem que de fato contenha a violência praticada contra as mulheres. 

-Se de um lado a Constituição Federal garante a dignidade humana e os direitos da mulher, do outro lado, ela também garante a plenitude da defesa e a soberania dos veredictos que não podem ser negociados. Me parece que a negociação desses princípios pode implicar num preço muito alto a ser pago. Mais do que isso, o artigo 226 da Constituição Federal é claro no sentido de que é papel do Estado coibir a violência. Cabe ao Estado coibir essa violência. E não me parece que a restrição de direitos e de princípios constitucionais sirva para coibir a violência, haja vista que cada vez mais temos a edição de leis e cada vez mais temos ondas de violência. Temos que refletir bastante. Talvez o caminho escolhido tenha sido um caminho muito sério, e pode ser que essa solução não seja a melhor, e daqui a um ano a gente esteja discutindo isso novamente. Não resolveu a violência, e agora temos um princípio constitucional limitado - pontuou Lúcia Helena de Oliveira, coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ. 

A fala da coordenadora de Defesa Criminal da DPRJ vai de encontro ao alto índice de violência contra a mulher, que faz o Brasil ocupar o 5º lugar no ranking mundial de Feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). Nesse sentido, a não aceitação da tese de legítima defesa da honra é uma forma de impedir a relativização dos direitos das mulheres que ocorre no sistema de justiça, mas o principal caminho para alcançar uma diminuição significativa dessa estatística, no entanto, é o combate ao machismo e à sociedade patriarcal.

Ao defender o ingresso como parte interessada (Amicus Curiae) na ADPF 779, a Defensoria tem como objetivo assegurar o cumprimento de princípios inegociáveis da Constituição Federal,  além de provocar o debate sobre medidas mais efetivas no combate à violência de gênero.

- A Defensoria Pública, enquanto instrumento da democracia, tem a missão de promover a defesa da pessoa em condição de vulnerabilidade, garantindo essa assistência jurídica em todas as nossas áreas de atuação, que deve ser pautada na perspectiva de gênero e raça. A gente não pode afastar essas perspectivas da nossa atuação. Quando a gente de fato atua sob essas perspectivas, a gente afasta qualquer barreira ao acesso à justiça de todos e todas. Para instrumentalizar esse acesso à justiça universal, é que a gente precisa dessa construção dialógica, interdisciplinar, refletindo sobre a nossa atuação pautada nos princípios constitucionais e convencionais - explicou Flavia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher.



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