A Defensoria Pública do Rio de Janeiro fez um levantamento que ratifica a importância das audiências de custódia presenciais para evitar que possíveis maus tratos, torturas e outras violações a direitos de presos em flagrantes deixem de ser denunciados ou percebidos. Com base em dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Defensoria aponta que, no período em que as audiências ficaram suspensas em razão do início da pandemia, de 19 de março a 2 de agosto de 2020 – e os únicos dados, então, eram os que constavam dos autos de prisão em flagrante (APF), já que os presos não eram entrevistados –, houve uma subnotificação de registros de violência contra pessoas detidas. Apenas 0,83% dos autos de prisão indicava a ocorrência de tortura. Em contraste, entre setembro de 2017 e o mesmo mês de 2019, quando eram realizadas audiências de custódia, como agora, e os presos apresentados e questionados sobre eventual violência sofrida, em 38,3% dos casos denunciaram ter sofrido tortura ou maus tratos.

É o caso de uma custodiada mulher presa já após a retomada das audiências, em agosto. O laudo de exame de corpo delito indicava uma lesão por ação contundente na cabeça. Segundo os policiais informaram no auto de prisão em flagrante, o ferimento havia se dado por um ato de resistência da própria presa. Mas, ao ser questionada, já na audiência de custódia, a mulher demonstrou apreensão e declarou que não gostaria de comentar o tema. Somente depois de ter a garantia do sigilo e ficar na presença apenas do juiz, da promotora e da defensora pública, revelou, em meio a lágrimas, que teve a casa invadida por oito policiais, que a ameaçaram e agrediram na cabeça, além de terem usado o celular para enviar mensagens a terceiros fazendo-se passar por ela.

- O caso ilustra a importância da audiência de custódia para se ter conhecimento seguro sobre a ocorrência de tortura. Sem a audiência, ou com audiência realizada em condições em que não se percebesse que havia algo errado, e em que a presa não se sentisse segura para denunciar o que ocorrera – como seria o caso de uma audiência realizada por videoconferência, sem a presença física do juiz, promotor e defensor –, não se saberia que ela fora torturada física e psicologicamente. Na audiência, pôde-se logo ver, pela expressão corporal, que havia indicativos de tortura, e a presa apenas se sentiu segura para depor quando todos os agentes de segurança saíram e ela ficou na sala, a portas fechadas, sozinha com o juiz, a promotora e a defensora. O juiz pôde, então, saber o que ocorrera, e reconheceu a ilegalidade da prisão em razão da tortura - disse a defensora pública  Mariana Castro de Matos, que fez o levantamento.

Como reflexo da subnotificação, a pesquisa percebe, ainda, que, nas decisões judiciais proferidas no período de suspensão das audiências, ao menos até 10 de maio de 2020, não houve nenhuma que reconhecesse ilegalidade da prisão por ocorrência de tortura.

Em novembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) autorizou a realização de audiências de custódia por videoconferências durante a pandemia do novo coronavírus. Na ocasião, a defensora pública Mariana Castro de Matos participou do julgamento e se posicionou contra a aprovação das audiências por videoconferência. A Defensoria e outras 78 entidades enviaram na época ao ministro Luiz Fux, presidente do CNJ e do STF, um ofício defendendo as sessões presenciais, porque o instrumento exige a presença física do preso diante do juiz, para que este possa ver inteiramente o estado do preso, e este sinta segurança em relatar o que lhe tenha ocorrido. O tema também foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Assim, para as entidades, devem ser tomadas medidas de segurança sanitária para viabilizar que as audiências ocorram, e presencialmente – como vem se dando no estado do Rio desde agosto de 2020.

A Defensoria também verificou, na suspensão das audiências, a ausência de informações relevantes sobre o custodiado, como a raça e diagnóstico de doenças, inclusive as que indicassem pertencimento a grupo de risco para Covid-19. Assim, não se tinha conhecimento das condições pessoais do custodiado, inviabilizando pedidos de medicamentos ou mesmo prisão domiciliar, além de impossibilitar a identificação do perfil racial das pessoas presas, e sobretudo das pessoas presas e agredidas.

Veja o levantamento completo aqui.



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