Favela no Rio: quatro meses de escuta/ Crédito: Letícia Maçulo

 

Relatório da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) — que será lançado no dia 28 de agosto, às 10h, durante um webinar no YouTube da instituição — aponta para a necessidade urgente de uma política de governo específica para as favelas durante a pandemia. De acordo com a Ouvidoria da instituição, durante quatro meses de escuta junto a 57 líderes comunitários de quase 40 favelas e bairros periféricos da capital, Região Metropolitana e Baixada Fluminense, ficaram evidenciados o agravamento de carências já existentes e o surgimento de novas dificuldades.

Após as escutas, a Ouvidoria identificou 11 pontos de atenção prioritária para acesso a direitos na pandemia: acesso à água; segurança alimentar; moradia adequada; acesso à saúde; assistência social; renda, trabalho e cultura; acesso à educação; violência doméstica; transportes e mobilidade; direitos das pessoas em restrição de liberdade e de suas famílias e controle efetivo da violência de Estado. As informações colhidas nas entrevistas foram cruzadas com dados recebidos pelos diversos canais da Ouvidoria como site, redes sociais, telefones e WhatsApp. 

- Ao longo das escutas o que nós constatamos é que todos os problemas crônicos de falta de acesso a direitos e políticas públicas se intensificaram e se agravaram consideravelmente durante a pandemia. A falta de um plano específico para as favelas revela o descaso com essas regiões por parte do poder público, que não parou para pensar sequer que as recomendações sanitárias emitidas para o conjunto da população, muitas vezes, não são possíveis de serem seguidas na realidade das favelas, onde as casas são muito pequenas, onde falta água sistematicamente e onde as famílias não possuem renda para ficar em isolamento social - disse o ouvidor geral da Defensoria Pública do Estado do Rio, Guilherme Pimentel. 

O relatório mostra  que em nenhuma das favelas escutadas a população conseguiu aderir ao isolamento social de forma plena. Em 42% das escutas, as pessoas entrevistadas afirmaram que o isolamento não pegou entre a população local. Já em 58% das escutas, as informações eram de que apenas uma parte da população conseguiu ficar em casa.  

A dificuldade de acesso à saúde também piorou na pandemia. Uma das conclusões do levantamento é que em 74% das escutas foi relatada sobrecarga do funcionamento da Unidade de Pronto Atendimento (UPA)  e em 13% sequer havia acesso da população aos postos.O documento mostra ainda que em 84% das conversas foi revelada falta de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para profissionais de saúde.Há ainda o dado de que em 71% das entrevistas houve relatos de óbitos em casa por doença, sem atendimento médico. Dentre essas, em 64% houve dificuldades para remoção do cadáver e entraves para a gratuidade dos serviços funerários. 

"Para mitigar os efeitos dessa desestruturação, as lideranças de inúmeras favelas mobilizaram doações de EPIs para as equipes médicas que atendiam a população", diz o documento, que ressalta a atuação de grupos de pessoas e de movimentos populares nesta e em outras situações de necessidade. "O maior destaque precisa ser registrado à atuação da própria sociedade que, mesmo sem a estrutura ou suporte dos governos, vêm tecendo redes de solidariedade e, através de grande mobilização, minimizam os dados gerados pela brutal desigualdade em que nos encontramos diante desta pandemia". 

A questão econômica também aparece em destaque no estudo. Todas as pessoas entrevistadas relataram uma queda drástica nos rendimentos das famílias e tiveram alguma dificuldade de acesso ao auxílio emergencial federal. Os dados colhidos dão conta de que a redução dos fluxos de pessoas, serviços e mercadorias nas cidades  produziu impacto direto na atividade de trabalhadoras e trabalhadores sem vínculo de trabalho de CLT, como camelôs, ambulantes, motoristas de aplicativo, produtores culturais, artistas, entre outros.

A violência doméstica é outro ponto de atenção. Segundo o relatório, houve relatos de agressão contra a mulher em 65% das escutas e contra crianças, em 42%. "A questão foi mais de uma vez abordada como um problema crônico já existente antes, mas agravado pelo maior convívio familiar decorrente da falta de aulas e, muitas vezes, do desemprego dos adultos", diz o documento.

A falta de produção de dados específicos sobre a pandemia nas favelas e periferias salta aos olhos como um enorme problema a ser resolvido diante de uma infecção que se dissemina através da proximidade e do contato físico, diz o documento da Ouvidoria, que foi produzido em conjunto pelo ouvidor geral  Guilherme Pimentel; a educadora popular e assessora da Ouvidoria, Fabiana Silva; o gestor público, jovem da Cidade de Deus e também assessor da Ouvidoria, Salvino Oliveira; além da defensora pública Maria Júlia Miranda, assessora de articulação social da Defensoria Pública e parceira da Ouvidoria.

Sobre o webinar

O evento online acontecerá no dia 28 de agosto, de 10h às 12h, no canal da Defensoria no YouTube (https://bit.ly/2FFU1yZ). A abertura será feita pelo defensor público-geral Rodrigo Pacheco e pelo ouvidor-geral da DPRJ, Guilherme Pimentel. A mesa de debate será composta por Verônica Gomes, moradora da Vila Kennedy e conselheira tutelar; Rafael Sousa, morador do Lins e comunicador popular; Joyce Gravano, moradora de São Gonçalo e Fabiana Silva, moradora do Parque das Missões, em Duque de Caxias, e assessora da Ouvidoria.

Veja aqui o relatório na íntegra



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