A 2ª subdefensora-geral, Paloma Lamego, abriu o seminário juntamente
com o coordenador do NUPED, Pedro González; e com a
subcoordenadora Cível, Luciana Telles

 

A interação dos profissionais atuantes no sistema de Justiça para a construção de um trabalho multidisciplinar e coletivo nos casos de curatela (ou seja, nos casos em que uma pessoa é nomeada pelo juiz para auxiliar outra civilmente incapaz) é um dos principais desafios atualmente apontados por especialistas para a efetiva implementação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) junto a quem necessita da medida, geralmente por motivo de doença, deficiência ou uso de drogas. Sancionada em 2015 e em vigor no país desde janeiro de 2016, a Lei 13.146 (também chamada de Estatuto da Pessoa com Deficiência) esteve em debate na Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) durante seminário realizado, na sexta-feira (26), em que também foi apresentada pesquisa da instituição sobre o assunto.

A pesquisa “A Aplicação do Estatuto da Pessoa com Deficiência nos processos de curatela” mostrou que em nenhuma das 41 ações ajuizadas até outubro de 2018 pela Defensoria – e já com sentença determinando a curatela – foram realizados os três procedimentos necessários à adoção da medida nos moldes da LBI. O objetivo da lei é individualizar os casos a partir de uma avaliação multidisciplinar para que assim seja promovida a inclusão social da pessoa que necessita da curatela para a prática de atos da vida civil simples e mais complexos, como, por exemplo, abrir crediário e comprar e vender imóveis. Para isso é necessário passar pelas três etapas previstas na lei: realização do estudo social (com profissionais multidisciplinares, como psicólogos e assistentes sociais); audiência de impressão pessoal (quando a pessoa passa por uma entrevista minuciosa com o juiz para avaliar a sua capacidade de praticar os atos da vida civil); e perícia médica (que hoje precisa ser detalhada e deve informar os atos que a pessoa pode praticar).

– Se não for assim, a pessoa que precisa da curatela deixa de ter a avaliação completa e multidisciplinar necessária à individualização do caso para a inclusão social, conforme previsto expressamente na lei. E isso é gravíssimo. Mesmo em vigor há três anos, é fundamental uma mudança de cultura entre os atores integrantes do sistema de Justiça para que a lei seja efetivamente implementada e cumprida – destacou o coordenador do Núcleo de Atendimento à Pessoa com Deficiência da DPRJ (NUPED), Pedro González, no seminário aberto também pela 2ª subdefensora pública-geral do Estado, Paloma Lamego; pelo diretor do Centro de Estudos Jurídicos (CEJUR), José Augusto Garcia; e pela subcoordenadora Cível da Defensoria, Luciana Telles.

Também presente na mesa de abertura do evento, a diretora de estudos e pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ, Carolina Haber, apresentou a pesquisa e disse que ainda “há um longo caminho a ser percorrido” para a aplicação da LBI.

– Muitos processos contam apenas com perícias médicas e não com as multidisciplinares, como determina a lei, feitas de forma rápida e padronizada. Às vezes, isso acontece na própria audiência de impressão pessoal, o que impede a elaboração pelo juiz de um plano individual detalhado e adequado à situação da pessoa que precisa da curatela – observou Carolina.

Emancipação é prioridade na curatela, diz especialista

O seminário realizado no auditório do 2º andar da Sede da DPRJ também contou em sua programação com a palestra “Desafios da Efetivação da Nova Curatela à Luz do Estatuto da Pessoa com Deficiência”. O tema foi abordado pela advogada e professora titular de Direito Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Heloisa Helena Barboza, e segundo ela os gráficos apresentados na pesquisa são um retrato da atual situação porque “pouco ou nada mudou” nesses três anos de vigor da LBI. 

– Temos ainda muitos desafios pela frente porque efetivamente há uma nova curatela e por isso nós temos que trabalhar com ela sob medida para todas as pessoas, com deficiência ou não, para que essa nova curatela seja voltada primeiramente, e na medida do possível, à emancipação do curatelado – destacou Heloisa Helena, prosseguindo: “Essa pessoa precisa estar apta a conviver em sociedade com os seus próprios meios e, além disso, precisamos focar no que a ela de fato pode fazer, e não no que não pode – pontuou a especialista.

A assistente social e tutora judicial da Capital, Andreia Cristina Alves Pequeno, participou do debate e observou que a lei estabelece o trabalho integrado dos profissionais a partir da perspectiva da coletividade e de uma discussão multi e interdisciplinar, o que não acontece na prática. Segundo ela, não há diálogo entre médicos e assistentes sociais com o fim de traçar um projeto terapêutico individualizado para as pessoas que necessitam da curatela. 

– E aí eu pergunto que trabalho é esse. Isso é a materialização do que está posto na LBI? E respondo que do meu ponto de vista não – disse Andreia, continuando: “Se a lei prevê um trabalho coletivo e se a gente quer uma avaliação interdisciplinar, esse trabalho deve ser concomitante. Os profissionais precisam dialogar e não só colocar o resultado da sua avaliação num papel e encaminhar ao juiz. O exercício das nossas profissões contam com implicações éticas e novamente eu pergunto: como fica a ética profissional de um médico que atende no corredor do Fórum ou no bojo de uma audiência? Ressalto que isso não acontece às escondidas, mas na presença das autoridades. Então, acho que também devemos colocar em debate a questão das implicações éticas e legais do processo de construção das perícias – ressaltou Andreia.

Tribunal limitou nomeação mensal de perícias

Titular da 1ª Vara de Família de São João de Meriti e presente no debate, a juíza Raquel Santos Pereira Chrispino lembrou que o Estatuto da Pessoa com Deficiência entrou em vigor em meio ao contexto da crise econômica e financeira em andamento no Estado e disse que essa situação provocou impactos também em relação ao repasse conferido por lei ao Judiciário para o pagamento da folha. Com a diminuição do valor do repasse por causa da crise, o Tribunal de Justiça cortou cerca de 20% a 25% dos cargos comissionados e, segundo a magistrada, editou ato administrativo fixando o número de perícias a serem nomeadas pelos juízes. Todas são pagas pelo Fundo Especial do Tribunal.

– O estatuto chegou num contexto de carência material do tribunal e os juízes tiveram uma limitação de perícias por mês – observou Raquel Chrispino.

Porém, de acordo com a magistrada, “há um espaço de potência muito grande que depende da conversa entre nós” (integrantes do sistema de Justiça). 

– Depende de que todos, no dia a dia, descubram formas de fazer um trabalho de melhor qualidade, e me parece que aí vai residir a grande revolução. Esse espaço oferecido pela Defensoria aqui hoje abre muito para a perspectiva de que é possível melhorar no contexto de dar uma aplicação maior ao Estatuto da Pessoa com Deficiência se nós conversarmos. A comunicação é uma grande aliada quando a gente quer construir uma boa política pública em qualquer área – frisou Raquel Chrispino.

Ainda estiveram presentes no debate o promotor de Justiça Luiz Claudio Carvalho de Almeida; e demais autoridades e pessoas atuantes no Sistema de Justiça e nas áreas técnicas. Ao final do seminário, Pedro González informou que o NUPED vai fazer reuniões in loco com os defensores que atuam com curatela para uma capacitação nos moldes da Lei Brasileira de Inclusão.

Clique aqui e veja modelos de petição e inicial e dos quesitos.

Leia mais: Pesquisa revela:Judiciário não cumpre integralmente Lei de Inclusão

Clique aqui e veja mais fotos do evento em nosso Flickr.

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Jéssica Leal

O seminário contou com a presença de representantes do Poder Judiciário
e do Ministério Público, e com profissioanis atuantes nas áreas técnicas

 



VOLTAR