A liberdade individual, o papel do Estado  como garantidor de direitos , a importância de políticas públicas sobre as drogas que contemplem aspectos econômicos, sociais,  culturais e geopolíticos no combate ao tráfico e à violência foram alguns dos pontos mencionados pelo ex-secretário-geral  da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada Mazzei, na palestra  A Regulamentação do Comércio de Maconha na Experiência Uruguaia, realizada na terça-feira, 30, no auditório da Defensoria Pública.

Mentor do modelo que regulou a produção e o consumo de canabis no país, Calzada destacou que discutiria a questão para além da “perspectiva moral e de valores”.  Segundo ele,  a política de drogas deve estar “imersa num modelo de desenvolvimento mais geral” e, no caso uruguaio, ao atuar como regulador do mercado de canabis, o estado  parte para o enfrentamento ao tráfico e à violência por vias menos óbvias. 

-É evidente que morrem mais pessoas no controle ao uso de drogas do que no uso delas – explicou Calzada.  Cabe ao estado cuidar da ética e da responsabilidade públicas e garantir o acesso a bens culturais e sociais. Não é tarefa do estado indicar de que forma os indivíduos devem buscar prazer ou satisfação.   

O jurista e sociólogo deu detalhes de como o governo de “Pepe” Mujica chegou a coordenadas de combate à violência, cujo paradigma  estabelece que o antônimo de insegurança é convivência social, e não segurança.  Nascia, assim, o que viria a ser a regulação do mercado de marijuana, para muito além da simples descriminalização, mas que não deve ser confundida com liberação.

No Uruguai,  há regras para o cultivo e consumo de canabis.  É lícito plantar em casa para consumo familiar ou fazer parte de clubes para tal, com até 45 membros. O próximo passo prevê a implantação de farmácias que venderão legalmente a canabis. A criação dessa rede de comércio se valerá, inclusive, de normas econômicas básicas, como tributação flexível  e preço equivalente ao do mercado negro, de modo a estimular o consumidor a não se tornar cliente da ilegalidade,  onde há também acesso a drogas ditas mais pesadas.

-Não se podem usar apenas normas penais, mas sim ferramentas econômicas para combater o mercado negro – resumiu o palestrante. O objetivo político da lei é oferecer regras econômicas para competir e tomar espaço do mercado negro.  O preço tem que ser razoável para que o usuário não recorra ao tráfico.

Calzada lembrou que a política de drogas para maconha sugere que é necessário haver também políticas para outras substâncias,  inclusive com programas de uso seguro e de redução de riscos.  Ele reconhece, porém, que apenas a regulação de mercado não será suficiente para dar fim à violência e propõe que haja um marco legal mundial, geral e único para o problema, a ser adaptado conforme a realidade de cada país.

Ao abrir o evento, iniciativa do grupo de trabalho de política de drogas da Defensoria, o 2º. subdefensor público-geral, Rodrigo Pacheco, destacou que a instituição se propõe a ser “um espaço plural, sem restrições”, em que o conhecimento possa fluir.  Ele acrescentou que o Uruguai tem sido “fonte de inspiração” em questões cruciais como aborto, casamento igualitário e a negativa de reduzir a maioridade penal.

A palestra, seguida de debate,  contou com a presença de defensores públicos, servidores, estagiários e estudiosos de política de drogas. 



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