Audiência do STF sobre a ação que trata da descriminalização do aborto começou nesta sexta (3/8)

 

As mulheres processadas pela prática de aborto no Rio de Janeiro têm cor e renda definidas: elas são negras, pobres, com baixa escolaridade e moradoras de áreas periféricas. É o que revela uma pesquisa que a Defensoria Pública do Estado (DPRJ) realizou para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442, em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). A instituição atua como parte interessada no processo que pode resultar na descriminalização do aborto induzido voluntariamente pela mulher até a 12ª semana da gestação.

De autoria do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a ADPF questiona parcialmente a constitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal, para excluir a proibição o aborto praticado pela gestante ou com o seu consentimento até a 12ª semana da gestação. Em razão da importância do tema, o STF decidiu ouvir especialistas antes de julgar a questão. A audiência pública promovida pela corte começou nesta sexta-feira e continua na próxima segunda (3 e 6/8).

A Defensoria Pública é uma das 52 entidades habilitadas a falar na audiência. A instituição será representada por Lívia Casseres, defensora pública que atua no Núcleo de Direitos Humanos da DPRJ e coordena o Núcleo Contra a Desigualdade Racial (Nucora). A participação dela será no segundo dia da audiência. A defensora terá 20 minutos para expor o posicionamento da Defensoria Pública a favor dos direitos humanos e do impacto desproporcional da criminalização sobre os grupos vulneráveis de mulheres.

Realizado pela Diretoria de Pesquisa e Acesso à Justiça da Defensoria, o estudo analisou processos penais contra mulheres que realizaram o aborto distribuídos entre 2005 e 2017. O universo de 55 processos analisados parece pequeno diante dos cerca de meio milhão de brasileiras que se submetem anualmente a abortos clandestinos, mas é importante principalmente por indicar quem, na prática, sofre as consequências penais por essa prática.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos casos de aborto provocado pela própria gestante que desencadearam processos penais envolve mulheres com idade entre 18 e 36 anos, que já têm filhos e moram em bairros periféricos em seus municípios. Nenhuma delas apresentava antecedentes criminais até a data da abertura do inquérito. Do total de processos pesquisados, verificou-se que apenas uma das mulheres havia chegado à faculdade.

De acordo com Lívia, enquanto a criminalização do aborto contribui para perpetuar a discriminação de grupos de mulheres já em situação de vulnerabilidade, não se verifica, em contrapartida, política voltada para a prevenção da prática. Na avaliação da defensora, o tema deveria ser tratado na esfera da saúde pública.

– O perfil das mulheres criminalizadas por aborto revela que a proibição do procedimento contribui para perpetuar a situação de desigualdade estrutural das mulheres negras na sociedade. O tabu e a estigmatização gerados quando o tema é tratado como um caso de polícia dificultam o acesso à informação para uma tomada de decisão mais segura e precoce, além de inviabilizar a assistência médica durante o procedimento para aquelas que não podem pagar por este serviço e correrão maior risco de morte. Quando escapam da morte, as mulheres atendidas no Sistema Único de Saúde, muitas vezes, são denunciadas por aqueles que justamente deveriam lhes oferecer apoio necessário num momento tão doloroso. É indiscutível que a proibição do aborto aprofunda a situação de desigualdade vivida pelas mulheres negras no sistema de justiça e também no sistema de saúde – afirmou a defensora.

Segundo a defensora Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria, a criminalização do aborto não impede a sua prática. Pior: produz um impacto desproporcional na vida das mulheres negras, em situação de pobreza, com baixo grau de escolaridade e moradoras de regiões periféricas.

– A partir da identificação do perfil das mulheres processadas pela prática do aborto no Rio, somado à experiência da atuação cotidiana na seara criminal, a Defensoria participará da audiência pública na ADPF, oportunidade na qual demonstrará as consequências práticas da criminalização do aborto. O perfil das mulheres mortas em razão da prática do aborto coincide com o perfil das mulheres criminalizadas, evidenciando que esse grupo socialmente vulnerável, que não tem acesso às políticas públicas para o adequado planejamento familiar, está destinado ao cárcere ou à morte – afirmou a defensora.

Publicação

O perfil das mulheres criminalizadas pela prática de aborto, assim como todo o material produzido pela Defensoria Pública para a petição que apresentou ao Supremo para integrar a ADPF, resultou na edição da revista Entre a Morte e a Prisão: Quem São as Mulheres Criminalizadas pela Prática do Aborto no Rio de Janeiro. A obra já está disponível na seção publicações do site da DPRJ. Clique aqui para acessar.

 



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