Pesquisa da Defensoria Pública constatou que foram poucas as pessoas submetidas ao procedimento por mais de uma vez, em um período de dois anos, na Comarca da Capital

 

O índice de retorno às audiências de custódia foi de apenas 5,28%, em um período de dois anos, para as pessoas assistidas pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) que obtiveram a liberdade provisória da primeira vez em que foram submetidas ao procedimento (onde a prisão em flagrante é analisada por um juiz em até 24 horas). Em levantamento realizado pela instituição com o objetivo de traçar o perfil dessas pessoas, foi constatado que, de 11.667 atendimentos registrados na Comarca da Capital entre os dias 18 de setembro de 2015 e 15 de setembro de 2017, somente 617 réus passaram por outra audiência do tipo em decorrência de reiteração criminal (ou seja, da prática de novo crime), sendo 543 deles por duas vezes; 62 por três vezes; 11 por quatro vezes; e um em cinco vezes.

Os resultados contrastam com um dos principais argumentos utilizados nas decisões judicias para a manutenção da prisão – o de que a concessão da liberdade provisória pode levar à prática de novo delito – e refletem a realidade das audiências de custódia conforme o observado pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DPRJ nos questionários preenchidos por defensoras e defensores atuantes nesses casos.

A partir das respostas fornecidas pelos réus, foi possível traçar o perfil das pessoas atendidas pela Defensoria no segundo ano de realização das audiências no Estado, entre 19 de setembro de 2016 e 15 de setembro de 2017, quando elas ainda aconteciam nas dependências do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), já que hoje funcionam em Benfica e ainda há uma Central em Volta Redonda e outra em Campos. Além disso, alguns dados foram comparados com o apurado em períodos anteriores, como no caso do retorno às audiências em decorrência de reiteração criminal (cujo período analisado foi de dois anos).

– O monitoramento contínuo das audiências de custódia aponta para um total equívoco do senso comum no sentido de que, uma vez detida em flagrante, a pessoa vai reiterar na prática de atividade criminosa se for solta. Tal argumento, o da manutenção da prisão preventiva para evitar a repetição de um crime – bastante comum nas decisões judiciais que invocam a privação da liberdade como método para o resguardo da 'ordem pública' – é falacioso e sem substrato na realidade cotidiana – destaca o coordenador de Defesa Criminal da DPRJ, Emanuel Queiroz.

Para a diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria, Carolina Haber, o acompanhamento das audiências de custódia pela instituição, além de traçar o perfil das pessoas assistidas com objetivo de que seja implementada a melhor estratégia de defesa para elas, também possibilita identificar o perfil de quem entra no sistema penitenciário para que assim possam ser desenvolvidas políticas públicas sobre o assunto.

– O acompanhamento periódico das audiências de custódia faz com que a Defensoria Pública seja uma das poucas instituições que mantém um banco de dados tão completo sobre os presos do Rio de Janeiro, incluindo o perfil social dessas pessoas, o crime praticado e a ocorrência de violência por ocasião da prisão. O relatório reflete isso ao tratar dos dados relativos aos dois anos de monitoramento, demonstrando as oscilações por semestre – observa Carolina Haber.

Em um ano, 44% dos casos resultaram em liberdade

O estudo analisou principalmente os casos referentes às 6.374 pessoas assistidas em audiências de custódia pela Defensoria Pública na Comarca da Capital, entre os dias 19 de setembro de 2016 e 15 de setembro de 2017, e constatou que no período houve a concessão da liberdade provisória a 2.753 réus. Para outros 45 o que ficou resolvido foi o relaxamento da prisão e a soma desses resultados equivale a 44% das decisões pela liberdade. Em comparação com o ano anterior, o índice foi de 33,8% e nos seis meses seguintes ao primeiro ano esse percentual ficou em 48,7%.

Nesse mesmo período de um ano foram realizadas audiências de custódia por aproximadamente 224 dias, tendo sido extraída uma média de 28 procedimentos por dia e de 22 também diários no ano anterior. Entre os casos analisados estavam o de pessoas com condenação anterior (apenas 38,6%, ou seja, 1966 das 6.374 com o caso observado no estudo) e houve índice de conversão da prisão em flagrante para preventiva de 64,6%. Além disso, 1020 assistidos (22,3% dos 6.374) tinham ocorrência na Vara da Infância e da Juventude e 664 (18,2%) estavam usufruindo de algum benefício penal.

Outro ponto observado pela Defensoria na pesquisa é o da classificação das infrações penais pela Polícia que, no segundo ano das audiências de custódia no Estado, tipificou 69,5% dos casos como sendo de crimes contra o patrimônio. Entre eles, 37,85% são referentes a roubo (2066 casos) e eles tiveram índice de concessão de liberdade de 18%, o que equivale a 359 pessoas; e 24,7% são de furto isolado ou em concurso e o percentual de liberdade concedida somente para os casos de furto foi de 81%. Já em relação aos tipos penais da Lei de Drogas, se considerados isoladamente, foi apurado que as acusações ficaram em um percentual de 18,88%, sendo que 332 pessoas (56%) obtiveram a liberdade nesse caso e quando houve concurso esse percentual caiu para 25%.

O levantamento apurou ainda a ocorrência de agressões por ocasião da prisão: foram 2107 em relação aos 6374 casos analisados no período (o equivalente a 35,9% deles) e a maioria das pessoas agredidas são negras e representam 79,7% do total, levando-se em consideração que 508 questionários estavam em branco nesse ponto. Em relação aos autores, os policiais militares foram apontados em 62,5% dos casos com informação nesse sentido e esse índice ainda sobe para 67,1% se levada em consideração a prática da agressão conjunta dos PMs com outros agressores.

Além disso, 9% relataram casos de tortura, ou seja, 426 pessoas, e para essa apuração também foram levadas em consideração as 3.481 respostas em branco para essa questão com o entendimento de que os réus já haviam respondido sobre agressão e provavelmente muitos entendem que não há diferença entre as práticas. No entanto, 390 presos dos 426 afirmaram que além da tortura também sofreram agressão, o que equivale a 91,54%.

Proibida pela Justiça, prática de fotografar pessoas presas continua

Mesmo com atuação da Defensoria Pública resultante em decisão judicial proibindo a veiculação da imagem das pessoas presas em flagrante – anteriormente proferida em Ação Civil Pública ajuizada pela instituição – foi verificado que pessoas presas continuam sendo fotografas em situações diversas da identificação na delegacia por ocasião da prisão. De acordo com a pesquisa, 66% dos réus passaram por essa situação e isso equivale a 2991 pessoas das 6.374. Já em 1875 questionários não há informação a respeito.

Aspecto social

Ainda foram observadas no relatório questões relacionadas ao perfil social das pessoas presas em flagrante e posteriormente submetidas às audiências de custódia no segundo ano de realização da medida na Capital. Das 6.374 em análise no estudo, 84,2% são naturais do Estado do Rio de Janeiro; 4.553 são pretas ou pardas e 1337 são brancas, sendo que em 428 questionários não há informação sobre a cor; 49 delas se autodeclaram amarelas e seis são indígenas.

Sob esse aspecto também foi analisada a questão da liberdade provisória, concedida para 1918 das 4553 pessoas que se autodeclararam pretas ou pardas (ou seja, 42,1% delas) e para 654 do total de 1337 pessoas brancas (48,9%). Além disso, foi observado que 3781 (65%) dos réus têm apenas o Ensino Fundamental; que 83,9% têm entre 18 e 36 anos; que 3460 pessoas presas têm filhos (60% delas); e que 7% dos homens informaram que a mulher está grávida. Outros 4503 estavam trabalhando antes da prisão e 375 garantiram a comprovação do vínculo empregatício, já que 89,5% trabalhavam sem carteira assinada. 

Além disso, 17 dos 6374 informaram o nome social ao responderem o questionário e 963 (15%) declararam que são portadores de alguma doença.

Perfil das mulheres também foi analisado

Entre os 6.374 casos analisados na pesquisa estão o de 463 mulheres (7,26% do total) das quais 327 (72%) obtiveram a liberdade provisória após a audiência de custódia. Outras 125 permaneceram presas e em 11 questionários não foi preenchida a informação referente a essa questão.

Levando-se em consideração os crimes, o de furto foi maioria entre as mulheres (39,7% dos casos com informação) e em seguida estão os relacionados à Lei de Drogas de forma simples (21,4%) e em concurso (4,5%).

Na análise do perfil social foi verificado que 326 acusadas têm filhos e 245 delas com até 12 anos. Dessas 245, foram 171, ou seja, 69,8%, as que receberam liberdade provisória; 98 (40%) são acusadas de furto; 60 (24%) têm acusação relacionada aos crimes da Lei de Drogas; e 44 (18%) são acusadas de roubo.

Havia 57 casos relacionados à gestação (sendo 48 de mulheres grávidas e nove de suspeita de gravidez) e 44 (77,2%) resultaram na liberdade após a audiência de custódia, sendo 36 gestantes e oito com suspeita de gravidez.

Além disso, 296 mulheres são pretas ou pardas; 116 são brancas; cinco de autodeclararam amarelas; três são indígenas; e em 43 questionários não havia essa informação. E das 463, 76% estavam solteiras; 61% têm só o Ensino Fundamental; e 74,9% têm entre 18 e 36 anos, sendo que 63% trabalhavam antes da prisão em flagrante.

Clique aqui e leia a pesquisa na íntegra.

Texto: Bruno Cunha



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