Defensoria do Rio quer participar dos debates que houver no STF sobre o aborto

 

A criminalização do aborto afeta os direitos fundamentais de todas as mulheres, mas tem consequências especialmente perversas para a parcela mais vulnerável, maioria dentre as que respondem judicialmente pela interrupção da gestação. A responsabilização penal de mulheres que optam pelo aborto fere a Constituição ao perpetuar a discriminação da mulher pobre e negra, o que potencializa o risco à vida e a violação de todos os demais direitos fundamentais em jogo. Esses são alguns dos argumentos que embasam pedido de admissão como amicus curiae, ou parte interessada, feito pela Defensoria Pública do Rio ao Supremo Tribunal Federal, em ação pela inconstitucionalidade parcial dos artigos 124 e 126 do Código Penal, pleiteando que seja declarada a legalidade da interrupção da gestação induzida e voluntária nas doze primeiras semanas.

O pedido de ingresso na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 442 apresentado ao STF no último dia 29 é respaldado por dados e conclusões de levantamento recente da Diretoria de Pesquisa e Acesso à Justiça da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

“Os relatos concretos colhidos nos processos criminais em trâmite no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não deixam dúvidas de que, para certos grupos de mulheres, tais como as mulheres negras que habitam as favelas fluminenses e outras áreas periféricas, trabalhadoras que ocupam a base da pirâmide econômica-social, com baixo grau de instrução e assistidos pela Defensoria Pública nos processos em que foram criminalizadas pela prática do aborto, o que está em jogo aqui é o direito à própria vida”, destaca o documento.

Como amicus curiae na ADPF, a Defensoria do Rio quer participar dos debates que houver no STF sobre o tema, inclusive com direito à sustentação oral em plenário; no mérito, pretende “seja declarada a não recepção parcial dos arts. 124 e 126 do Código Penal”, os quais criminalizam a mulher que interrompe a gravidez sozinha ou com ajuda de terceiros. O pedido de ingresso como parte interessada, encaminhado à relatora da ação, ministra Rosa Weber, se dá em processo aberto pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

A petição  foi elaborada  por integrantes do Grupo de Trabalho e Monitoramento das Políticas Institucionais na Perspectiva de Gênero: a coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher, Arlanza Rebello; a subcoordenadora, Matilde Alonso; a coordenadora do Núcleo contra a Desigualdade Racial, Livia Casseres; as defensoras Beatriz Cunha e Mariana Castro; e o defensor Ricardo de Mattos.

“A criminalização do aborto viola os direitos à liberdade, autonomia privada, integridade psicofísica e a não submissão à prática de tortura e tratamento cruel ou degradante, pelo que é incompatível com a Constituição RFB/88 e com os tratados internacionais de direitos humanos, nos termos, notadamente, da jurisprudência da Corte Interamericana”, assinalam eles no pedido de ingresso nos autos.

No pleito de admissão como amicus curiae, a Defensoria ressalta que os desdobramentos da ADPF “afetará os interesses de toda a população de mulheres do Brasil que se vê atualmente submetida à maternidade compulsória, à mortalidade materna, à sujeição a situações insalubres e inseguras do abortamento; à criminalização; à indevida intervenção do Estado na esfera de sua vida privada; e à toda sorte de discriminação e exclusão social, privada do gozo dos mais elementares direitos civis”.

Os defensores insistem especialmente no quanto a proibição do aborto penaliza as gestantes mais vulneráveis.

“Para a mulher negra o direito de escolha é asfixiado por sua condição social, que a empurra para o uso de métodos caseiros, em estágio avançado de gravidez, com elevado risco de morte e frequente necessidade de internação hospitalar para socorro emergencial”, enfatiza o texto.  

E mais: a criminalização do aborto “não atende à função preventiva da pena, consistindo o seu cometimento em verdadeira prática enraizada na sociedade”, havendo “outras medidas menos gravosas que poderiam ser adotadas como políticas públicas pelo Estado e que teriam grande efetividade no que toca à redução do número de abortos”.

As cinco defensoras e o defensor mencionam ainda que “a criminalização do aborto promove muito mais restrições – quando não aniquilações – aos direitos fundamentais das mulheres do que ganhos com a proteção do feto”. E lembram que a Corte Interamericana de Direitos Humanos já decidiu que “o nascituro não pode ser entendido como uma pessoa, titular de direitos da mesma forma que os já nascidos. Seu direito à vida é tutelado por meio da proteção da mulher e, consequentemente, não pode se dar às custas dos direitos desta”.

Os signatários do pedido de ingresso de amicus curiae reiteram que “no campo da escolha individual, o direito ao aborto postulado na luta feminista clássica se dá sob uma perspectiva de controle sobre a própria reprodução”, mas é preciso considerar também “afronta direta das normais penais cuja constitucionalidade” é discutida na ADPF, pois há “uma flagrante situação de discriminação interseccional, que expõe de maneira mais aguda as mulheres negras à morte e às consequências do procedimento de aborto desassistido”.



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