Única de doze irmãs e irmãos a não ter sido registrada em cartório, Yasmim de Oliveira Francisco, 19 anos, nunca existiu civilmente. Foi à escola, tomou vacinas, trabalhou numa lanchonete, mas sem comprovar nome e sobrenome nem apresentar certidão de nascimento e demais documentos que garantem direitos e cidadania. Só agora, com o nascimento da primeira filha, se viu diante da possibilidade de, afinal, obter registro civil, identidade, CPF e título de eleitor.
— O caso nos chegou pela nossa rede de parceiros, mais especificamente por uma colega do Comitê Estadual para a Erradicação do Sub-registro Civil de Nascimento e Ampliação do Acesso à Documentação Básica do Rio de Janeiro. O sub-registro civil de nascimento e a viabilização do acesso à documentação básica, em especial de pessoas que jamais foram registradas, que permanecem invisíveis desde que nasceram, é um problema que merece ser enfrentado por todas as instituições e entidades compromissadas com o acesso a direitos — explica a defensora pública Fátima Saraiva, que acompanhou Yasmim e a filha recém-nascida à Justiça Itinerante, na sexta-feira, 15, para a emissão da certidão de ambas.
Ainda grávida, a jovem havia procurado o Núcleo de Primeiro Atendimento da Defensoria Pública em Campo Grande, na Zona Oeste, onde mora, já preocupada em como conseguiria registrar a bebê. Hellena Vitória nasceu no último dia 28, sem que Yasmim desse seguimento à pendência. Antes de dar à luz, conseguiu apenas fazer o pedido de pesquisa junto aos órgãos de identificação do Estado e possuía um número provisório junto ao DETRAN.
Isso, no entanto, não foi suficiente para evitar contratempos após o parto. No dia seguinte ao nascimento, a família de Yasmim, por meio do comitê de erradicação do sub-registro, entrou novamente em contato com a Defensoria, pois havia receio de a criança não ter alta por falta de documentação da mãe.
De imediato, em ofício encaminhado ao Hospital Municipal Rocha Faria, onde Hellena Vitória veio ao mundo, a defensora Fatima Saraiva comunicou que, apesar da falta de documentação, “a lei garante à parturiente o direito de sair com sua filha e receber a Declaração de Nascido Viva (DNV) preenchida com os dados informados para fins de providenciar o registro” da criança. Yasmim e a bebê foram para casa no dia seguinte.
A Declaração de Nascido Vivo, preenchida pela unidade de saúde logo em seguida ao parto e entregue à mãe, é o primeiro passo para a formação da cadeia documental de bebês. Foi justamente a falta desse papel que fez Yasmim viver 19 anos indocumentada — os pais dizem que houve extravio, mas não solicitaram uma segunda via, o que fez da jovem a única dos muitos filhos e filhas do casal sem registro civil. A pedido da Defensoria, a DNV de Yasmim foi rapidamente recuperada nos arquivos do Rocha Faria, onde ela também nasceu.
A jovem mãe lembra que frequentou a escola pública por interferência do Conselho Tutelar e que sempre conseguiu atendimento médico após explicar em detalhes porque não tinha documentos.
— Quero que seja diferente com minha filha. Que ela tenha todos os documentos nas mãos sempre que precisar. E, espero poder também conseguir emprego de carteira assinada, o que era impossível se não tinha nem mesmo certidão de nascimento — diz Yasmim.
O calendário 2024 da Justiça Itinerante especializada em sub-registro atende todo o Estado do Rio de Janeiro, para casos de registro tardio; segunda via de documentos emitidos em cartórios distantes ou extintos; restauração de registro, anulação de registro em duplicidade, requalificação civil; retificação registral; e certidões de casamento e óbito, por exemplo.