Um terremoto no Haiti em 2010, que deixou 300 mil mortos e milhões de desabrigados no país, aterrorizou a família de Rose Estal, de 50 anos, com a possibilidade de novas tragédias. Foi este o motivo que Rony Champpoune, marido de Rose, usou para procurar refúgio no Brasil em 2012, deixando a mulher com os três filhos. Em 2016, Rose e dois filhos do casal conseguiram entrar no país como refugiados, mas nunca mais encontraram o progenitor, o que deixou a família em uma frágil situação legal. Para regularizar o estado civil e ter acesso a direitos básicos, Rose procurou a Defensoria Pública do Rio no último sábado (9), em mais uma edição do Rota de Direitos, projeto coordenado pela DPRJ para atender refugiados, apátridas e imigrantes.

Moradora de Curicica, em Jacarepaguá, Rose Estal descobriu que o marido vive com outra mulher nos Estados Unidos. Na ação de sábado, ela entrou com o pedido de divórcio litigioso, que vai tramitar junto à 1º Vara de Família de Jacarepaguá e será acompanhado pela DPRJ. A haitiana diz que está esperançosa de que, de posse do documento de divórcio, conseguirá seguir com a vida. Seu próximo passo é tentar trazer o terceiro filho com Rone para o Brasil, a fim de garantir uma vida melhor. Ele ainda não possui passaporte para vir, mas a expectativa é que consiga logo. 

O “Rota de Direitos” de sábado foi realizado no Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes (CRAI-Rio), na Gamboa, e ofereceu assistência jurídica e acesso a serviços públicos básicos a pelo menos 120 pessoas refugiadas, imigrantes e apátridas. Ali Muhammad, advogado venezuelano de 70 anos, refugiado político, procurou a DPRJ para conseguir uma indenização por danos morais referente à deportação indevida de sua esposa. Ali desabafa que teve seus direitos violados em março de 2021, quando agentes federais agiram com truculência contra sua companheira, Olga Jimenez, não permitindo que ela ficasse no país. 

O artigo 2º da Lei do Refúgio determina que os efeitos da condição dos refugiados serão extensivos ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, o que garantiria a permanência de Olga. O advogado explica que o Brasil não seguiu a própria legislação, o que o fez procurar a Defensoria a fim de garantir seus direitos. Por meio de uma ação do “Rota de Direitos”, a Defensoria encaminhou o advogado para a Defensoria Pública da União (DPU), que dará andamento ao caso.

A guarda provisória foi também um caso atendido pela Defensoria. Vicenta Del Valle, venezuelana de 55 anos, saiu do país de origem em 2019 em busca de melhor qualidade de vida. Dois anos depois de chegar ao Brasil, seu neto Isan Antonio Hernandez, de 12 anos, veio para o país junto com o pai, que não tem condições de criar o filho. Por isso, com a concordância da mãe do menino, decidiu transferir a guarda de Isan para a avó, que atualmente mora em Maricá.

Foi justamente para regularizar a situação do neto, por meio da guarda provisória, que Vicenta esteve no “Rota de Direitos”. “Aqui tem medicamentos, tem alimento, tem saúde. Tudo aqui é melhor. Agora o que eu quero é regularizar essa situação do menino”, explicou a venezuelana. “

A defensora pública Gislaine Kepe, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da DPRJ explica que propôs uma ação de guarda do menor. “É um processo judicial que vai ser distribuído para uma Vara de Família de Maricá e, lá, vai tramitar até a avó conseguir a guarda definitiva da criança”, reforça. 

Acesso a direitos e serviços

Entre os serviços oferecidos no Rota de Direitos estão a divulgação de informações sobre legislação brasileira relativa a refúgio, migrações e apátridas; orientação sobre acesso à documentação básica, programas sociais e serviços para populações migrantes. 

“O Rota de Direitos" é uma ação social voltada para o público imigrante que reside no Estado do Rio de Janeiro. Em sua 10ª edição, o Rota faz com que reflitamos o quanto a população imigrante necessita que os serviços públicos estejam preparados para atender as especificidades próprias das pessoas migrantes, principalmente quando estão na condição de refúgio ou apatridia”,  disse Kepe.

O projeto é uma ação trimestral e que conta com a parceria da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR); Aldeias Infantis SOS Brasil; PARES Cáritas RJ; Mawon; Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE); Organização Internacional para as Migrações (OIM); Venezuela Global; Viva Rio; Cátedra Sérgio Vieira de Mello da PUC-Rio; Comitê Internacional da Cruz Vermelha; Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, além de órgãos do Governo Federal, Governo do Estado e da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Roda de Conversa

Para fechar o ano com chave de ouro, a última edição de 2023 do Rota de Direitos contou também com a roda de conversa “Acesso à Justiça e Combate à Discriminação: Enfrentamento ao Racismo e à Xenofobia". O debate foi mediado pela secretária nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Isadora Brandão. Nele, a secretária destacou que o projeto serve para que as instituições parceiras consigam, de fato, trazer um olhar de direitos humanos para a pauta imigratória. Ela agradeceu às defensoras públicas Maria Julia e Gislaine, do Nudedh, além de outros contribuintes, pelo convite ao evento.

“É com muito prazer que a gente está aqui no ‘Rota’, participando pela primeira vez. Eu já conhecia o projeto e já tive o prazer de participar de edições anteriores. Quando eu pensei em como poderia participar do Rota de Direitos aqui no Rio de Janeiro, pensei que uma roda de conversa poderia ser um momento mais acolhedor para que falássemos um pouco da nossa problemática em relação ao tema e um pouco da nossa preocupação — disse Isadora Brandão, ao abrir a roda de conversa.

Texto: Bruna Aragão



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