Em 23 de maio, a Comissão das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Justiça Criminal (CCPCJ) aprovou projeto de Resolução intitulado “Igualdade de Acesso à Justiça para Todos”, que será submetido à Assembleia Geral das Nações Unidas no final do ano. Clique aqui para ler a Resolução.

As importantes inovações dessa resolução foram apresentadas pela Oficial de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Anika Holterhof, na 14ª Conferência Bienal do “International Legal Aid Group” (ILAG) realizada no campus da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, entre os dias 21 e 23 de junho.

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro esteve representada na 14ª Conferência do ILAG pelos defensores públicos André Castro e Cleber Alves, que tratam da “atuação do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) no combate à tortura e outras formas de violência institucional” e sobre os “desafios para a igualdade étnica e diversidade racial no recrutamento de pessoal para assistência jurídica no futuro”.

Confira a entrevista com Anika Holterhof:
 

Qual é o papel da Comissão das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e Justiça Criminal (CCPCJ)?

R: A CCPCJ orienta as atividades das Nações Unidas no campo da prevenção ao crime e justiça criminal. Ela age por meio de resoluções e decisões. Atua como um dos dois órgãos dirigentes do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime e aprova o orçamento do Fundo Criminal e de Prevenção ao Crime das Nações Unidas, que fornece recursos para promover assistência técnica no campo da prevenção ao crime e justiça criminal em todo o mundo. A Comissão fornece orientação substantiva e organizacional para o Congresso quinquenal das Nações Unidas sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal, considera o resultado dos congressos e toma decisões sobre medidas apropriadas de acompanhamento. O 14º Congresso ocorreu em Kyoto, no Japão, em 2021, resultando em uma Declaração abrangente que contém linguagem importante sobre acesso à justiça e igualdade de tratamento perante a lei. O 15º Congresso acontecerá em 2026, sediado nos Emirados Árabes Unidos, com o tema principal “Acelerando a prevenção do crime, a justiça criminal e o estado de direito: protegendo as pessoas e o planeta e alcançando a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável na era digital”.

 

A Comissão acaba de aprovar um projeto de Resolução intitulado “Igualdade de Acesso à Justiça para Todos”. Quais são as principais inovações trazidas por este documento?

R: A nova Resolução baseia-se na Declaração de Kyoto acima mencionada, em particular no seu parágrafo 48, bem como em várias resoluções das Nações Unidas que contêm referência ao acesso à justiça, incluindo a Agenda 2030 sobre Desenvolvimento Sustentável. Ela também se baseia nos padrões e normas relevantes das Nações Unidas em prevenção ao crime e justiça criminal - como os Princípios e Diretrizes da ONU sobre Acesso à Assistência Jurídica em Sistemas de Justiça Criminal e as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros (as Regras de Mandela). A Resolução destaca a importância de garantir a igualdade de acesso à justiça para todos nos sistemas de justiça criminal, para fortalecer o estado de direito, alcançar sociedades seguras e protegidas e o direito à igualdade de tratamento perante a lei. A Resolução “encoraja os Estados Membros de acordo com sua legislação interna e dentro de sua capacidade de garantir acesso igualitário à justiça e aplicação da lei para todos, inclusive tomando medidas efetivas que sejam informadas por dados relevantes, como idade e sexo”. Incentiva os Estados Membros a adotar várias medidas que são fundamentais para melhorar o acesso à justiça, como serviços de assistência jurídica; serviços para vítimas de crimes, incluindo programas de justiça restaurativa; a coleta e uso de dados desagregados por fatores relevantes; e a promoção do uso da tecnologia que promova o acesso inclusivo e equitativo à justiça. A Resolução também reconhece a importância do treinamento de profissionais da justiça criminal, incluindo advogados, para desempenhar suas responsabilidades de maneira não discriminatória.

 

Qual a importância da Resolução para a Agenda 2030 das Nações Unidas?

R: Esta Resolução é significativa. A igualdade de acesso à justiça para todos é um componente importante da Agenda 2030, consagrada no Objetivo 16, “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”. A nova Resolução reafirma a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e destaca que na Agenda 2030 a Assembleia Geral “adotou um conjunto abrangente, de longo alcance e centrado em pessoas, com Objetivos e metas universais e transformadoras do Desenvolvimento Sustentável, que são indivisíveis, integradas e equilibradas nas três dimensões do desenvolvimento sustentável, e no qual reconheceu que a erradicação da pobreza em todas as suas formas e dimensões, incluindo a pobreza extrema, é o maior desafio global e um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, se comprometendo a alcançar o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões, econômica, social e ambiental – de forma equilibrada e integrada”. A nova Resolução recorda o próprio ODS 16 e o objetivo da Agenda 2030 de vislumbrar “um mundo de respeito universal pelos direitos humanos e pela dignidade humana, o estado de direito, a justiça, a igualdade e a não discriminação”. As medidas concretas mencionadas na Resolução, como assistência jurídica, justiça restaurativa e serviços para vítimas, são fundamentais para transformar os sistemas de justiça criminal e contribuir para o avanço no alcance do ODS 16. A este respeito, vale a pena mencionar que os Estados-Membros consideram as contribuições do sistema de justiça penal como cruciais para alcançar os ODS. Além da nova Resolução sobre o acesso à justiça, eles adotaram na 32ª sessão da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal outra Resolução, no mesmo dia, intitulada como “Melhorando as contribuições da Comissão ao Crime e Justiça Criminal para a aceleração da implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. Recorda os compromissos assumidos pelos Estados-Membros e o importante papel da CCPCJ no avanço do progresso, acolhendo as discussões temáticas que se realizam desde 2021, que também serviram como fóruns para partilhar boas práticas e apoiar os países na aceleração do progresso nos seus esforços de reforma.

 

A Resolução foi co-patrocinada pelo Canadá, Chile e Peru, bem como pelo Brasil e diversos outros países. Qual foi o papel do Brasil em sua adoção?

R: O Brasil é atualmente membro da CCPCJ, e seus delegados participaram das deliberações para negociar os projetos de resolução que foram encaminhados sobre diversos temas no âmbito das atribuições da Comissão. No que diz respeito à Resolução sobre “Acesso igualitário à justiça para todos”, os delegados brasileiros contribuíram com o desenvolvimento do conteúdo da minuta ao longo da semana, e o país foi um dos primeiros países a co-patrocinar a Resolução. Com base no amplo conhecimento e experiência em acesso à justiça no Brasil, em particular no que diz respeito à sua estrutura legal e política abrangente, e aos muitos programas e projetos que são implementados por vários atores nos setores governamental, privado, acadêmico e da sociedade civil, em níveis federal e estadual, os delegados brasileiros forneceram exemplos de boas práticas e introduziram linguagem para encontrar compromisso e construir consenso.

 

A Resolução recomenda aos Estados Membros que considerem formas eficazes de fornecer acesso à assistência jurídica para, assim, garantir o acesso universal à justiça, sem discriminação de qualquer tipo. Quais são seus pensamentos sobre este desafio global?

R: A assistência judiciária é um elemento essencial para garantir a igualdade de acesso à justiça para todos – ou seja, nas áreas urbanas e rurais –incluindo suspeitos, acusados, presos provisórios e presos, bem como vítimas e testemunhas de crimes. A assistência jurídica é uma medida particularmente importante para garantir o acesso de pessoas em situação de pobreza, que são desfavorecidas e discriminadas com base em pautas como gênero, idade, raça e também à aquelas que têm direitos e necessidades específicas no sistema de justiça , como pessoas com deficiência ou vítimas de crime. Todas estas pessoas necessitam de apoio jurídico especializado e adaptado às suas necessidades. É, de fato, um desafio para os sistemas de assistência judiciária conseguir dar resposta a estas necessidades, seja em termos de recursos adequados, para garantir o acesso de benefícios de assistência judiciária em âmbito nacional, seja em termos de recursos humanos, isto é, advogados qualificados e capazes de prover ajuda especializada, treinados para fornecer serviços de qualidade a todos os beneficiários de maneira oportuna e abrangente. Como recorda, a Resolução incentiva os Estados-Membros a “promover e implementar políticas destinadas a garantir o acesso à justiça para as pessoas em situação de vulnerabilidade, sem meios suficientes, através de assistência jurídica oportuna, eficaz, com recursos adequados e acessíveis e, sempre que possível, assistência jurídica gratuita promovida pela Estado com o apoio apropriado da academia relevante”. Em geral, é necessário um intercâmbio de boas práticas, assessoria técnica e assistência em todos os países do Norte e do Sul globais. Isso porque, até mesmo os países com sistemas de assistência jurídica muito sofisticados enfrentam desafios para garantir financiamento, desenvolvimento de habilidades e capacidade, e para garantir que os direitos das pessoas sejam respeitados em um período de intenso uso da tecnologia. O trabalho conjunto entre setores de partes relevantes do governo e interessadas do setor privado, inclusive de setores que apoiam vítimas de crime, como saúde e serviços sociais, pode ser uma forma de compartilhar recursos e conhecimento, por exemplo. A academia e a sociedade civil podem contribuir para fortalecer a base de evidências sobre recursos disponíveis e necessidades não atendidas, lições aprendidas e abordagens inovadoras.

 

Quais são os próximos passos?

R: A resolução é recomendada para adoção pela Assembleia Geral da ONU ainda este ano, o que destaca a importância do acesso à justiça para a comunidade global, inclusive para acelerar o progresso para alcançar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Os Estados Membros que são copatrocinadores da Resolução se reunirão com o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC) para pontuar as prioridades para sua implementação, e então passaremos a discutir planos concretos com parceiros e partes interessadas envolvidas na reforma da justiça criminal, como profissionais de assistência jurídica, inclusive a organização de uma reunião do grupo de especialistas que o UNODC é solicitado a organizar pela resolução.

 

Anika Holterhof é Oficial de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em Viena, e Ponto Focal da Sede para Assistência Jurídica na Equipe de Acesso à Justiça. Ela prestou serviço à trigésima segunda sessão da Comissão de Prevenção ao Crime e Justiça Criminal de Viena (22 a 26 de maio), incluindo a discussão temática sobre a melhoria do funcionamento do sistema de justiça criminal para garantir o acesso à justiça e concretizar uma sociedade segura e protegida. No final, a Comissão recomendou ao Conselho Económico e Social a aprovação do seu projeto de Resolução intitulado “Igualdade de Acesso à Justiça para Todos”, para adoção pela Assembleia Geral da ONU (ainda este ano).

 

Leia a entrevista em inglês aqui.

 

 



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