Os casos de intolerância religiosa registraram um crescimento de 500% no Rio de Janeiro e de 9% nas escolas entre janeiro e dezembro do ano passado, informa a coordenadora do Centro de Promoção da Liberdade Religiosa do Estado, Lorrama Machado. Palestrante do "Encontro de Religiões, Direitos Humanos e Acesso à Justiça", promovido pela Defensoria Pública do Rio na segunda (16), ela também lembrou que duas em cada três ligações recebidas pelo Disque 100, serviço da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, vêm de território fluminense.

- E isso sem falar nas denúncias que chegam ao Disque 100 por e-mail ou por outros meios de comunicação, sendo que 71% dos casos está relacionado às religiões de matriz  africana - destacou Lorrama.

A participante do evento de inciativa do Núcleo Contra a Desigualdade Racial da DPRJ (Nucora) também apresentou o resultado de um levantamento feito em seu próprio órgão de atuação. De janeiro a julho deste ano, segundo ela, 62% dos casos denunciados ao Seasdh tiveram como vítimas os adeptos da umbanda e do candomblé e mais de 9% deles aconteceu nas escolas. Entre as vítimas há estudantes impedidos de entrar no colégio devido ao uso de guias ou com a cabeça coberta em decorrência de algum preceito religioso, o que é absolutamente permitido por envolver o conceito de "sagrado".

- Em contrapartida, promovemos a capacitação de 750 professores de ensino religioso para que não deem mais aulas confessionais da disciplina, ou seja, ministradas com base na formação religiosa de cada docente, conforme prevê a atual legislação estadual e que foi aprovada no governo Garotinho - observa Lorrama.

Já em segundo lugar no ranking estadual de vítimas de intolerância religiosa estão os casos envolvendo a religião muçulmana, que acumula 40% das denúncias. As situações são das mais variadas: de religiosos cuspidos e apedrejados nas ruas a mulheres vestidas com as roupas ritualísticas e, por isso mesmo, obrigadas a descer do ônibus porque o motorista alega que não quer transportar nenhuma "mulher-bomba".

- Por ser de origem iraniana e seguir a religião muçulmana, o pai de uma amiga foi proibido pela Justiça de ver o filho, mesmo pagando pensão. Já em relação ao ensino religioso nas escolas, o Estatuto da Criança e do Adolescente é transparente ao prever que a orientação religiosa cabe apenas à família. Por outro lado, a Lei de Diretrizes e Bases não prevê a obrigatoriedade do ensino de Matemática ou Geografia, por exemplo. Mas o artigo 33 determina o ensino religioso - pontua a yalorixá e jornalista Rosiane Rodrigues, participante do mesmo painel.

A imprensa, inclusive, teve destaque especial na mesa de debates seguinte. A partir do tema "Mídia e discriminação religiosa", a coordenadora da Assessoria de Comunicação da DPRJ, Débora Diniz, mediou a discussão proposta com a editora da GloboNews e documentarista Renata Baldi, e a repórter do Jornal O Globo, Dandara Tinoco.

Para início de conversa, Débora perguntou às convidadas o motivo pelo qual a imprensa demonstra certa tendência em eleger como porta-vozes, entre os evangélicos, aqueles que demonstram ser os mais "intolerantes".

- Realmente, a gente tem uma tendência em ouvir algumas pessoas com certa frequência porque elas falam muito abertamente e, ao mesmo tempo, representam uma grande porcentagem dessas religiões. A Assembleia de Deus, por exemplo, representa 50 milhões de evangélicos no país. Mas, realmente, há de se pensar em vozes cada vez mais dissonantes. Eu queria até fazer o contraponto dessa pergunta, que é a dificuldade de ouvir as vítimas. Elas têm muito medo de falar, é natural, e muita dificuldade em abordar essa questão - disse Renata Baldi, autora do documentário "Intolerância".

Em seu discurso, a repórter do jornal O Globo, Dandara Tinoco, destacou a importância da notabilidade do negro na imprensa.

- Infelizmente e a cada dia, vemos violações aos Direitos Humanos relacionadas ao racismo. Tenho procurado fazer matérias para que o leitor possa entender que esses processos atuais, na verdade, são históricos, e, além disso, busco destacar a importância de diversos negros ao longo da nossa história - observou Dandara.

O seminário teve ainda o painel "Religiões afro-brasileiras, combate à discriminação religiosa e acesso à Justiça", com a procuradora da República Ana Padilha e o advogado, professor de Direito e ogã do Terreiro Ilê Oxumarê, Luiz Fernando Martins da Silva.

Ao final e em meio a relatos dos mais variados casos, como a cobrança de taxas para a realização de cultos afro nas cachoeiras e a impossibilidade de legalização dos terreiros no município de São Gonçalo, a defensora pública Livia Casseres apresentou a cartilha Andar com Fé Eu Vou e orientou a todos os presentes.

Clique aqui e confira a cartilha

Texto: Bruno Cunha



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