RESOLUÇÃO DPGE Nº 932 DE 26 DE JUNHO DE 2018.
Publicada no DOERJ em 25.06.2018
CRIA, NO ÂMBITO DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, O PROTOCOLO DE PREVENÇÃO E COMBATE À TORTURA E OUTROS TRATAMENTOS OU PENAS CRUÉIS, DESUMANOS OU DEGRADANTES.
O DEFENSOR PÚBLICO GERAL, no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO:
- que, nos termos do art. 134 da Constituição da República, incumbe, como expressão e instrumento do regime democrático, a promoção dos direitos humanos;
- que, na forma do art. 3º-A da Lei Complementar nº 80/94, são objetivos da Defensoria Pública a primazia da dignidade da pessoa humana, a redução das desigualdades sociais e a prevalência e efetividade dos direitos humanos;
- o disposto no art. 4º, incisos III e XI, da Lei Complementar nº 80/94, que confere à Defensoria Pública a função institucional de difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico e exercício dos direitos individuais e coletivos de grupos sociais vulneráveis e que merecem proteção especial do Estado;
- que o art. 5º, incisos III e XLVII, e), da Constituição da República, dispõe que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante e que não haverá penas cruéis;
- a obrigação dos Estados, nos termos da Carta da ONU, especialmente do art. 55, de promover o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais;
- o art. 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o art. 7º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que estabelecem que ninguém será submetido à tortura ou a tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
- a Resolução nº 39/46, da Assembleia Geral das Nações Unidas, que cria a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes que determina em seu art. 2º, 1 que cada Estado Parte tomará medidas legislativas, administrativas, judiciais ou de outra natureza com o intuito de impedir atos de tortura no território sob a sua jurisdição;
- que o art. 5º, item 2 da Convenção Americana de Direitos Humanos “Pacto de San José da Costa Rica” determina que toda pessoa deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano, não podendo ser submetida a torturas, nem penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes;
- a íntegra da Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e em especial seu art. 6º, que prevê que os Estados Partes tomarão medidas efetivas a fim de prevenir e punir a tortura no âmbito de sua jurisdição;
- que o uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá considerar, primordialmente: a. o Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979; b. os Princípios orientadores para a Aplicação Efetiva do Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas na sua resolução 1989/61, de 24 de maio de 1989; c. os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de setembro de 1999;
- a carência de dados e estatísticas oficiais sobre a incidência de tortura e tratamento cruel de pessoas privadas de liberdade no território brasileiro;
- o relatório do Subcomitê de Prevenção de Tortura da ONU de 14 de novembro de 2016, desenvolvido em visita ao Brasil durante o mês de outubro daquele ano, que concluiu pelo cenário crítico das instituições privativas de liberdade;
- a Lei nº 12.847, de 2 de agosto de 2013, que instituiu o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e criou o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que possuem como objetivo o fortalecimento à prevenção e o combate à tortura, por meio de articulação e atuação cooperativa de seus integrantes, dentre outras formas, permitindo as trocas de informações e o intercâmbio de boas práticas;
- a Lei Estadual n.º 5.778 de 30 de junho de 2010, que criou o Comitê Estadual para a Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro e instituiu o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro com a finalidade de erradicar e prevenir a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou degradantes no Estado do Rio de Janeiro;
- o disposto no art. 1º da Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes, estabelecendo que o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de terceira pessoa, informações ou confissões, de castigá-la por ato que ela ou terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido, de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza, quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência;
- o Plano de Ações Integradas para a Prevenção e o Combate à Tortura no Brasil (2006), da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, o qual constata o resultado insatisfatório de ações e abordagens excessivamente centradas na punição de agentes públicos envolvidos na prática da tortura, demonstrado pela continuidade da prática de tortura no Sistema de Justiça Criminal e pela persistência da impunidade dos responsáveis pela tortura e que, nesse contexto, é necessário mudar de estratégia, adotar uma abordagem diferenciada por meio de mudanças organizacionais e gerenciais, procedimentos, práticas, atitudes, normas e valores profissionais que permitam o desenvolvimento e a consolidação de uma cultura de integridade no interior das instituições, objetivando reforçar a inclinação dos agentes públicos de resistir às oportunidades para o abuso de poder e da força e para a tolerância dos abusos associados aos seus cargos e funções;
- os dados relativos à tortura e tratamento cruéis, desumanos e degradantes coletados durante dois anos nas audiências de custódias no Estado do Rio de Janeiro, apontando os Relatórios elaborados pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da Defensoria Pública;
RESOLVE:
Art. 1º. Esta resolução disciplina o recebimento, a documentação e o fluxo interno de comunicações relativas a casos de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, praticados por agente estatal ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência, bem como estabelece o protocolo de atuação dos órgãos da Defensoria Pública sobre o tema.
§1º – No âmbito institucional, o Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (NUDEDH) é o órgão aglutinador, gestor e difusor de todas as comunicações e informações sobre casos de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes direcionadas à Defensoria Pública.
§2º – Nos termos do disposto no parágrafo anterior, os órgãos de atuação da Defensoria Pública deverão encaminhar ao NUDEDH, obrigatoriamente, todas as comunicações e informações sobre casos de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, o que se fará preferencialmente por correspondência eletrônica devidamente instruída nos moldes dispostos neste protocolo.
Art. 2º. Em caso de comunicação presencial da vítima durante atendimento de qualquer espécie, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá documentar os fatos narrados mediante o preenchimento do formulário constante do ANEXO I.
§1º. Todo e qualquer relato colhido deverá ser encaminhado ao NUDEDH e deverá conter:
I - obrigatoriamente, os dados qualificativos e de contato com a vítima e/ou seus familiares;
II - se possível, registro fotográfico e/ou audiovisual que evidencie eventual lesão à integridade pessoal.
III - o consentimento expresso da vítima e de seu representante legal quanto à adoção de medidas judiciais, cíveis e/ou criminais, e/ou representação por falta funcional caso se trate de servidor público, e/ou aos respectivos conselhos profissionais, bastando, quando ao consentimento, aquele constante do próprio formulário a que se refere o caput;
§2°. Sem prejuízo da comunicação ao NUDEDH, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá adotar as medidas de proteção que se afigurem urgentes para a tutela da integridade pessoal vítima, na forma do art. 6º, informando as providências adotadas.
§ 3º. A comunicação presencial em que a vítima for criança ou adolescente, ainda que ocorrida em audiência judicial será colhida com o preenchimento do formulário constante do ANEXO IV, salvo se a comunicação se der em audiência de apresentação, caso em que será preenchido o formulário constante do ANEXO III.
Art. 3º. Em caso de comunicação da vítima em audiência judicial, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá documentar os fatos narrados mediante o preenchimento do formulário constante do ANEXO I, procedimento que se adotará também quando a comunicação se der em audiência de custódia ou de apresentação de adolescentes, preenchendo-se, respectivamente nestes casos, os formulários contidos no ANEXO II (art. 3º da Deliberação CS/DPGE n.º 107/15) ou no ANEXO III, tudo sem prejuízo de fazer consignar em ata o ocorrido.
§1º. Todo e qualquer relato colhido deverá ser encaminhado ao NUDEDH, acompanhado da ata de audiência e do de depoimento judicial da vítima e deverá conter:
I - obrigatoriamente, os dados qualificativos e de contato com a vítima e/ou seus familiares;
II - se possível, registro fotográfico e/ou audiovisual que evidencie eventual lesão à integridade pessoal.
III - o consentimento expresso da vítima e de seu representante legal quanto à adoção de medidas judiciais, cíveis e/ou criminais, e/ou representação por falta funcional caso se trate de servidor público, e/ou aos respectivos conselhos profissionais, bastando, quando ao consentimento, aquele constante do próprio formulário a que se refere ocaput;
§2º. O(a) Defensor(a) Público(a) deverá sempre indagar à pessoa defendida se sofreu alguma forma de violência física, psicológica ou moral, por meio de entrevista pessoal prévia e sigilosa, sem a presença de agente policial e em local adequado e reservado.
§3°. Sem prejuízo da comunicação ao NUDEDH, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá adotar as medidas de proteção que se afigurem urgentes para a tutela da integridade pessoal vítima, na forma do art. 6º, informando as providências adotadas.
Art. 4º. Em caso de comunicação formulada por terceira pessoa, ainda que representante legal da vítima, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá documentar os fatos narrados mediante o preenchimento do formulário constante do ANEXO IV.
§1º. Todo e qualquer relato colhido deverá ser encaminhado ao NUDEDH e deverá conter:
I – obrigatoriamente, os dados qualificativos e de contato com odeclarante;
II – se possível, registro fotográfico e/ou audiovisual que evidencie eventual lesão à integridade pessoal.
§2º. Tratando-se de comunicação de terceiro durante audiência judicial de qualquer espécie, o relato deverá ser reduzido a termo, preferencialmente na forma do ANEXO IV, e encaminhado ao NUDEDH acompanhado da ata de audiência e do depoimento judicial.
§3º. Sem prejuízo da comunicação ao NUDEDH, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá adotar as medidas de proteção que se afigurem urgentes para a tutela da integridade pessoal vítima, na forma do art. 6º, informando as providências adotadas.
Art. 5º. Em caso de comunicação por meio escrito de qualquer espécie (carta, bilhete, correspondência eletrônica, redes sociais etc.), ainda que anonimamente, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá encaminhá-la ao NUDEDH.
§1º. Proceder-se-á nos termos do caput caso a comunicação seja realizada por contato telefônico, hipótese em que o relato será escriturado de acordo com formulário constante do ANEXO IV.
§2º. Sem prejuízo da comunicação ao NUDEDH, o(a) Defensor(a) Público(a) deverá adotar as medidas de proteção que se afigurem urgentes para a tutela da integridade pessoal vítima, na forma do art. 6º, informando as providências adotadas.
Art. 6º. Dentre as providências cabíveis a serem postuladas às autoridades, com vistas à garantia da integridade pessoal da vítima, sem prejuízo de outras reputadas necessárias para imediata cessação das práticas de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, recomendam-se as seguintes providências:
I – requerer ao juízo ou encaminhar diretamente a vítima, por ofício (ANEXO V), ao órgãodeperíciaoficial,afimdesesubmeteraexamedecorpodedelito,formulando quesitos específicos com vistas à constatação de vestígios da alegada agressão sofrida, inclusive, se for o caso, quanto à violênciapsicológica;
II – solicitar a aplicação de medidas protetivas para garantia da integridade pessoal da vítima, de seus familiares e de eventuais testemunhas;
III – requerer ao juízo ou encaminhar diretamente a vítima, por ofício (ANEXO VI), para atendimento de saúde integral, visando reduzir os danos e o sofrimento físico emental;
IV – postular a concessão de liberdade ou da liberação do adolescente internado provisoriamente, independentemente da existência dos requisitos que autorizem a manutenção da privação de liberdade, sempre que não for possível garantir a segurançaeaintegridadedavítima(ResoluçãoCNJn.º213/2015,ProtocoloII,item 6,IV);
V – postular o relaxamento da prisão ou da apreensão,quando eivada de ilegalidade em decorrência da obtenção de provas por meios inadmissíveis;
VI – requerer a exclusão da prova obtida, direta ou indiretamente, por meio de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes;
VII – enviar cópias do depoimento e demais documentos, mídia, se houver, pertinentes para órgãos responsáveis pela apuração de responsabilidades, especialmente Ministério Público e Corregedoria e/ou Ouvidoria do órgão a que o agente responsável pela tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes esteja vinculado.
Parágrafo único. Encontrando-se a vítima em situação de privação de liberdade, as medidas adotadas deverão ser comunicadas ao(à) Defensor(a) Público(a) que atua no estabelecimento de privação de liberdade, bem como ao(à) Defensor(a) Público(a) que atua em eventual processo criminal ou de apuração da prática de atos infracionais.
Art. 7º. Em caso de comunicação diretamente dirigida ao NUDEDH, o(a) Defensor(a) Público(a) do órgão documentará o relato nos termos dos formulários anexos.
Art. 8º. Ao receber as comunicações, diretamente ou por encaminhamento de outros órgãos da Defensoria Pública, o NUDEDH adotará, quando cabíveis e havendo consentimento do interessado, as medidas de responsabilização civil, penal e/ou administrativa do suspeito da prática dos fatos narrados, podendo valer-se, para tanto, da colaboração dos demais Núcleos Especializados e suas respectivas equipes técnicas.
Art. 9º. A Coordenação do NUDEDH organizará e manterá banco de dados e de estatísticas, destinado a unificar os registros de casos de tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes recebidos pela Defensoria Pública.
§1º. O banco de dados e de estatística mencionado no caput será de acesso público e irrestrito, salvo quanto aos dados pessoais da vítima e informações cujo sigilo se faça necessário à apuração.
§2º. Com periodicidade não superior a um ano, a Coordenação do NUDEDH divulgará balanço consolidado dos dados e estatísticas.
Art. 10. O(a) Defensor(a) Público(a) de qualquer órgão da Defensoria Pública não se eximirá de documentar o relato e comunicar ao NUDEDH, ainda que haja expressa oposição da vítima e/ou do comunicante, desde que assegurado o sigilo das informações pessoais.
Art. 11. A presente resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Rio de Janeiro, 26 de junho de 2018.
ANDRÉ LUIS MACHADO DE CASTRO
Defensor Público Geral