Instituição lançou convênio e protocolo de atuação, com a
sociedade civil, para levantar dados
e propor políticas públicas


A violência contra a população LGBTI+ será monitorada de forma permanente pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) conforme anunciado na instituição, nesta quinta-feira (28), em seminário pelo Dia da Memória Trans (comemorado em 20 de novembro). Em convênio com organizações da sociedade civil lançado no encontro, a instituição apresentou um protocolo de atuação para casos do tipo no qual se compromete a compilar dados apurados pelas entidades com o objetivo de subsidiar políticas públicas. Pelo menos 17 associações manifestaram interesse na adesão à iniciativa principalmente porque o Brasil, segundo pesquisas apresentadas no evento, é apontado como o país que lidera ranking de assassinatos por transfobia no mundo e tem no Rio de Janeiro o Estado com o maior índice de mortes em 2018. Os números de 2019 também são graves e preocupantes.

Visando a adoção de medidas de redução e combate à violência LGBTI+, a Defensoria vai mapear a ocorrência dos crimes junto às organizações da sociedade civil porque, além da falta de indicadores estatais sobre o assunto, as vítimas geralmente relatam os casos aos próprios pares pelas dificuldades enfrentadas para a comunicação e o registro nos órgãos responsáveis. Em formulário próprio elaborado com as associações e apresentado no seminário, será possível reunir informações importantes para a análise da DPRJ como, por exemplo, a raça, a orientação sexual e a identidade de gênero da vítima (travesti, mulher trans, mulher cisgênera, transmasculino, homem trans ou homem cisgênero) e se houve agressão física, ameaça, ofensa verbal, ofensa em redes sociais, dano patrimonial, violência sexual, violência médica e outras.

– Parcerias como essa são essenciais para que a Defensoria conheça a realidade pelo olhar dos movimentos sociais. A gente sabe da relevância e da dificuldade da produção de dados e muitas vezes é preciso mostrar o que estamos falando porque as pessoas não entendem. Grande parte dos presentes aqui hoje sente na carne a violência, mas parcela da sociedade não sabe o que é isso e não se sensibiliza por mais que seja evidente. Em um momento em que as pessoas duvidam da realidade, talvez seja preciso apresenta-la da forma tradicional: com planilhas e gráficos – destacou na abertura do evento a 2ª subdefensora-geral do Estado, Paloma Lamego.

O formulário de atendimento à vítima, fornecido pela Defensoria às associações, também reúne informações do caso como o local de ocorrência do fato (se em espaço público ou privado; praça ou rua; estabelecimento comercial; instituição de ensino; hospital público ou privado; clínica da família e outros); se a agressão foi motivada por questões políticas; e o motivo da violência (discriminação por identidade de gênero; por orientação sexual; crime de ódio; racismo LGBTIfóbico; por ser entendido como intersexo; se a vítima não sabe o motivo; e outras situações).

– Ter dados sobre a violência contra a população LGBTI+ é fundamental porque mostra de forma efetiva a realidade. As políticas públicas funcionam com dados e a melhor forma de apurar esses índices é junto à sociedade civil porque as vítimas são muito oprimidas e, normalmente, não procuram os órgãos públicos por receio de sofrer preconceito e mais violência no atendimento – ressaltou a coordenadora do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos da Defensoria (Nudversis), Letícia Oliveira Furtado.

Autora do Dossiê Assassinatos e Violência contra Travestis e Transexuais no Brasil, Bruna Benevides chamou atenção para o fato de que a criminalização cumpre importante papel enquanto lei e ferramenta jurídica de defesa, mas ressaltou que a mudança social em relação à violência só será possível com a ampliação do debate sobre diversidade de gênero.

– Estamos falando de pessoas que são assassinadas por serem quem são, por isso a importância do debate nas escolas, dentro dos lares, no espaço acadêmico e em todos os demais. Estar na Defensoria discutindo esse tema é também um pedido à sociedade de que ouçam o que estamos falando porque aqui representamos uma parcela de 4 milhões de pessoas trans no Brasil, que estão sendo dizimadas – observou a também sercretária da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e 2ª sargento da Marinha na ativa, lembrando que as pessoas trans (geralmente expulsas de casa aos 13 anos) têm expectativa de vida de 35 anos.

O evento contou ainda com a presença do coordenador do Observatório da Violência contra Pessoas LGBTI+ na América Latina e Caribe, David Alonzo, que falou ao público. Membro da ONG Colômbia Diversa, ele disse que “a população LGBTI+ do Brasil não está só e que o trabalho realizado por associações como a Antra já transpassou fronteiras”. Pela primeira vez, segundo disse, formou-se um espaço coletivo de organizações LGBTI+ reunindo representantes de Honduras, Guatemala, El Salvador, Colômbia, México, Brasil, Paraguai, República Dominicana, Peru e Bolívia “para coletar as informações que os estados não coletam.”

– A coleta de informações sobre os crimes praticados contra a população LGBTI+ é uma obrigação dos estados, mas essa tarefa não é cumprida. As organizações internacionais já fizeram essa solicitação e, em alguns casos, aponta-se a sociedade civil organizada como mais apta para levantar esses dados porque muitas vezes as vítimas se sentem inseguras de comunicar o crime aos estados porque os agentes podem praticar violações ou se negar a protege-las – destacou David Alonzo.

Brasil e Rio de Janeiro no topo do ranking

O dossiê apresentado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mais uma vez coloca o Brasil no topo do ranking dos que mais registram casos de transfobia. Foram 132 assassinatos de 1º outubro de 2018 a 30 setembro de 2019 (de acordo com a Transgender Europe) – e 163 em todo o ano de 2018 – conforme levantamento da ANTRA. A pesquisa avaliou a incidência dos crimes em 74 países.

Dos 314 casos registrados no período, 65 ocorreram no México, 31 nos Estados Unidos e 86 em outros países. Ou seja, com 132 assassinatos pelo mesmo motivo, o Brasil tem mais do que o dobro das mortes em relação ao México, o segundo colocado no ranking.

Em relação aos estados, o Rio de Janeiro aparece em primeiro lugar na pesquisa com 19 assassinatos em 2018. Levando-se em consideração o total de 163 casos no país, o Rio responde por 11% dos crimes.

Debates foram conduzidos por especialistas

O seminário “Falar da Morte Para Gerar Vida” aconteceu no auditório do segundo andar da sede da Defensoria e, na mesa de abertura, também contou com a participação da diretora de Capacitação do Centro de Estudos Jurídicos (Cejur), Adriana Britto; e da presidenta da Fundação Escola da Defensoria (Fesudeperj), Maria de Fátima de Dourado.

Na mesa de debates estava Letícia Furtado; Bruna Benevides; David Alonzo; a co-autora do dossiê LGBTI+ do Estado do Rio de Janeiro e presidenta do Grupo Pela Vidda Rio, Maria Eduarda Aguiar; a assessora parlamentar e coordenadora do Instituto Transformar “Shelida Ayana”, Alessandra Ramos Makkeda; o organizador do Portal Transgeneros/Br, Theo Souza; e a diretora geral do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas, Gilmara Cunha (a primeira trans a receber a Medalha Tiradentes da Alerj).

O seminário teve o apoio do Cejur e da Fesudeperj.

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Jaqueline Banai



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