Um dia após a cerimônia, os 24 aprovados no XXVI concurso da carreira da
Defensoria Pública estiveram na sede da DPRJ
para aula magna e demais atividades

 

A prisão em massa de pessoas negras e pobres enquadradas na Lei de Drogas pelo sistema de Justiça, geralmente sem provas, representa um dos principais desafios enfrentados pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ) na atual conjuntura do Estado. Em aula magna sobre o assunto realizada nesta quarta-feira (28), especialistas conversaram com os 24 novos defensores aprovados no XXVI Concurso da carreira sobre o papel da instituição no estado democrático de direito e, além disso, sobre a importância de uma atuação estratégica diante de problemas estruturais como esse.

Aberto pela Administração Superior no dia seguinte à posse, o Curso de Formação de Defensoras e Defensores Públicos do XXVI Concurso contou em seu primeiro encontro com aula magna ministrada por Pedro Vieira Abramovay, ex-secretário nacional de Justiça e diretor para América Latina e Caribe na Open Society Foundations; e por Marcia Nina, professora do Departamento de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio) e coordenadora acadêmica do Núcleo de Direitos Humanos (NDH) da universidade. O curso terá duração de três anos e compreende o período do estágio probatório dos novos defensores.

Elaborado pela Coordenação de Programas Institucionais (COGPI) e pelo Centro de Estudos Jurídicos (Cejur), a formação terá a primeira fase encerrada no dia 30 de setembro após a realização de atividades como debates, conversas na sede da DPRJ e visitas a presídios, hospitais, abrigos e às comunidades por meio do projeto Circuito Favelas por Direitos. Com o término da etapa inicial haverá solenidade de posse popular, em data ainda a ser confirmada, no Complexo de Favelas da Maré.

– A disputa política – não a eleitoral, a política – é o centro de toda a ação, e a legitimidade que vocês têm agora é a de estar dentro desse Estado: escravocrata, racista, patrimonialista. É preciso pensar no papel de cada um porque, se vocês estiverem simplesmente andando com a corrente, estarão a favor do racismo, do patrimonialismo, da violência do Estado – destacou Pedro Abramovay para os novos defensores.

Referindo-se à pesquisa da DPRJ sobre prisões baseadas na Lei de Drogas, Abramovay disse que há muitas injustiças na área criminal como nos casos em que o local de moradia do acusado é fator determinante para a prisão. O especialista chamou atenção para o dado mostrado no estudo de que morar em favela determina se a pessoa “vai responder por tráfico ou como usuária de droga”.

– Esse é o dado determinante escrito na sentença para indicar se a pessoa vai ser qualificada de uma forma ou de outra, se vai passar anos na cadeia e carregar essa marca para sempre ou não – observou o especialista. “Não é o direito que influi nesses casos, é uma visão política e ideológica sobre a guerra às drogas, sobre quem ela pode prejudicar e o que está presente na cabeça dos juízes e promotores e de todos nós, porque estamos submetidos a esse massacre da ideologia da guerra às drogas há 50 anos. Não se consegue ver o mundo sem achar que o encarceramento é a única solução. Quando isso se junta ao Estado racista e patrimonialista, protege-se o rico e as cadeias ficam cheias com as pessoas pobres – disse.  

Para Marcia Nina, é preciso ter criatividade e “descobrir mecanismos que afetem realmente bases estruturais” relacionadas sobretudo a questões como racismo, sexismo e classismo.

– Há muitas questões estruturais e isso significa que todos nós aqui somos constituídos subjetivamente num caldo de cultura que não escolhemos necessariamente, mas não há como evitar essas questões – ressaltou Marcia. “Se a gente quer fazer algo diferente, precisamos do debate político, precisamos desse confronto, e isso não pode ser feito apenas pelo defensor. É preciso agir em rede – ressaltou.

Abrindo o primeiro dia do curso, o defensor-geral Rodrigo Pacheco ressaltou a importância da defesa e da proteção incondicional dos direitos humanos para a Defensoria. Disse que a polarização social é grande e que o momento requer responsabilidade e atuação estratégica.

– Não acreditamos em uma Defensoria Pública neutra. A instituição sempre vai ter um lado e é o lado inegociável da defesa e promoção dos direitos humanos. Essa é uma carreira absolutamente apaixonante e ao mesmo tempo difícil pela atuação na área dos direitos humanos, no sentido de valorização do direito à liberdade, à defesa criminal e à defesa dos grupos vulneráveis – destacou Pacheco.

Segundo o defensor-geral, busca-se na instituição cada vez mais uma atuação integrada, “menos individual e mais estratégica”.

– Hoje o momento é de celebração pela posse e pela abertura do curso de formação, mas também é um momento de muita responsabilidade. Vocês entram numa instituição forte e que ao mesmo tempo está sob os holofotes, e isso vai demandar muito comprometimento e responsabilidade de vocês a partir de agora – ressaltou.

A chefe de gabinete e coordenadora-geral de Programas Institucionais da Defensoria, Carolina de Souza Crespo Anastácio, parabenizou os novos defensores e falou sobre os desafios da carreira para a efetivação de justiça social e igualdade em relação à população vulnerável do Estado que tanto precisa da atuação da instituição.

– Estamos muito felizes em recebe-los na instituição que atua pela efetivação dos direitos básicos essenciais a qualquer pessoa. Haverá muitos desafios pela frente porque temos uma quantidade de atendimentos e processos muito grande, e uma diversidade de áreas de atuação principalmente no Interior. Por isso a importância do curso de formação, para que vocês tenham segurança nos órgãos de atuação e recebam todo o acolhimento e suporte da instituição – observou Carolina.

Também participaram da abertura do curso o 1º subdefensor-geral, Marcelo Leão; a 2ª subdefensora-geral, Paloma Lamego; e o ouvidor-geral da DPRJ, Pedro Strozenberg.

Temas foram escolhidos em diversas áreas de atuação

Os temas abordados no curso foram escolhidos após consulta aos integrantes da Administração Superior, da Coordenação do Concurso, do Cejur e das coordenações Cível, Criminal, da Infância e Juventude, de Defesa dos Direitos da Mulher, de Mediação, de Saúde e Tutela Coletiva e da Ouvidoria-Geral.

Com o encerramento da primeira fase em setembro, será iniciada a monitoria dos órgãos de atuação em outubro para que os novos defensores assumam efetivamente os órgãos em novembro. A partir desse mês haverá um encontro mensal com os aprovados no primeiro ano, além de encontros bimestrais no segundo ano e trimestrais no terceiro.

Abertura do III Congresso Brasileiro Interdisciplinar na programação

O primeiro dia do curso de formação seguiu à tarde com uma conversa sobre as histórias da Defensoria realizada pelo defensor público de classe especial André de Felice, pela defensora pública aposentada Sara Quimas e pela defensora pública de classe especial Jane Medina.

Em seguida, foi proferida a palestra “Tornar-se Defensora e Defensor Público” pelo defensor Ricardo de Mattos e pela defensora Mariana Castro, ambos do XXV Concurso.

Encerrando o primeiro dia de atividades, os novos defensores participaram da abertura do III Congresso Brasileiro de Atuação Interdisciplinar nas Defensorias Públicas – “A interdisciplinaridade na Garantia de Direitos Humanos em Tempos de Retrocessos”. A programação da abertura do congresso foi incluída na grade do curso e contou com palestra proferida por Luiz Eduardo Soares, mestre em Antropologia e Doutor em Ciência Política, com pós-doutorado em Ciência Política; e por Vilma Piedade, escritora, autora do livro “Conceito Dororidade” e mestre em Ciência da Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Texto: Bruno Cunha

Fotos: Letícia Maçulo

O defensor-geral Rodrigo Pacheco com Pedro Abramovay
e Marcia Nina

 

O curso foi aberto pela Administração Superior

 



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