Reestruturação do Hospital Municipal Ana Moreira foi requerida à Justiça
em razão da ocorrência de óbitos por falta de UTI e de outros
problemas, como o risco de incêndio e explosão na unidade


O descaso na área da Saúde agravado ainda mais pelo fato de que em Conceição de Macabu não há Centro de Terapia Intensiva (CTI), à disposição da população, levou novamente à Justiça a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ). Alegando omissão do Poder Público em relação à precariedade do Hospital Municipal Ana Moreira, a instituição obteve decisão favorável no Tribunal de Justiça (TJRJ) para que o juiz da Vara Única de Macabu analise o pedido de liminar da instituição sem esperar pela manifestação do Município. 

Em ação coletiva que requer a adoção de medidas de urgência voltadas à reestruturação e ao restabelecimento dos serviços essenciais na única unidade pública da cidade, a Defensoria aponta que além da falta de médicos e da ocorrência de óbitos em casos mais graves, há risco de incêndio e de explosão devido a fiação improvisada e ainda por cima exposta na farmácia, no almoxarifado, no pátio interno, na lavanderia e próximo aos cilindros de oxigênio, ou seja, em área com material altamente inflamável.

– O Hospital Municipal Ana Moreira está em estado de abandono, com maternidade e CTI interditados, fiação elétrica aparente, além de não ter aparelhos e medicamentos básicos para atender pacientes que chegam com um quadro de infarto, como desfibriladores e trombolíticos – destaca a defensora pública Raphaela Jahara, atuante no caso.

O recurso contra a decisão da Vara Única de Conceição de Macabu, que num primeiro momento não apreciou o pedido de urgência para a regularização da situação no hospital, chama atenção para a importância da adequação da rede elétrica e para a adoção imediata de demais providências pelo Município como, por exemplo, a aquisição de remédio para casos de infarto atualmente em falta no hospital; a disponibilização de pediatras, obstetras, ortopedistas e de equipe própria para ambulância com salários condizentes (mesmo que para isso seja necessário abrir concurso público); e o conserto ou a aquisição, se for o caso, de aparelho desfibrilador porque o atual está corroído, providenciando sua adequação à rede elétrica. 

Os problemas foram constatados nas três últimas vistorias realizadas pelo Conselho Regional de Medicina (CREMERJ), sendo a última delas no dia 27 de fevereiro. Mas o juiz da Vara Única de Macabu optou por esperar a manifestação do Município para só então decidir o pedido de liminar, e o posicionamento, de acordo com o desembargador Marcelo Lima Buhatem, “caracteriza flagrante negativa de jurisdição que claramente obstaculiza a prestação jurisdicional e, ainda, malfere o princípio do tempo razoável do processo”.

Segundo o desembargador, a contagem dos prazos para resposta do Município somada à morosidade dos trâmites processuais (como citação, expedição de mandados etc) pode levar o processo para nova decisão do juiz em tempo “cujo direito da parte já pode ter perecido”, escreveu na decisão, determinando ao juiz que decida o pedido de liminar, deferindo ou indeferindo o pleito.  

Sem UTI, pacientes vêm a óbito

O recurso distribuído junto à 22ª Câmara Cível do TJRJ aponta para a necessidade de disponibilização imediata de serviço de acolhimento e classificação de risco para os pacientes de urgência e emergência, conforme legislação vigente; de farmacêutico responsável pelo Setor de Farmácia e de profissional da área trabalhando 24 horas por dia na unidade; e de Centro de Terapia Intensiva (CTI) funcionando no hospital. Sem UTI, a Defensoria informa na ação que os pacientes à espera do serviço vêm a óbito porque o Município também não providencia a transferência deles para unidades de Saúde localizadas em cidades vizinhas e, ainda assim, a uma hora de distância de Conceição de Macabu.

Com isso, muitos recorrem à Justiça na tentativa de garantir a transferência para uma UTI em outro Município, mas nem sempre a medida chega a tempo. No caso de uma idosa de 64 anos internada com insuficiência renal aguda, a decisão determinando a transferência foi proferida no mesmo dia em que ela veio a óbito. Outro paciente, de 80 anos, deu entrada no Hospital Municipal Ana Moreira em janeiro. Em razão da gravidade do caso decorrente de acidente vascular encefálico e de pneumonia, a família ajuizou ação já no dia 15, mas o idoso veio a óbito no dia 16.

– A Defensoria Pública ajuíza diversas ações individuais em razão da omissão do Município de Conceição de Macabu, que não garante o mínimo de dignidade aos usuários do serviço público de saúde. O hospital Ana Moreira possui um alto índice de óbitos, proveniente da falta de recursos empregados pelo ente público – observa a defensora Raphaela Jahara.

De acordo com o recurso da Defensoria, a Vara Única de Conceição de Macabu, alegando a atual situação financeira do Município, não apreciou o pedido de liminar requerendo urgência na reestruturação e no restabelecimento dos serviços essenciais no hospital. Mas, em ação coletiva ajuizada pelo Ministério Público estadual (MPRJ), o mesmo Juízo não levou em consideração a situação financeira municipal ao autorizar a realização da 34ª Exposição Agropecuária (a Expo Macabu) custeada pela prefeitura ao menos em relação à programação. Na ocasião, houve a apresentação de artistas famosos e locais, rodeio e demais atrações.

Juiz informou nos autos que “pendências apontadas perduram por anos”

Esperando a manifestação do Município para então decidir o pedido de urgência, a Vara Única de Conceição de Macabu informa no processo que “Considerando o extenso rol de medidas cuja antecipação se requer, em confronto com a realidade financeira do Município Réu, que deve ser demonstrada em resposta a ser apresentada pelo réu, mormente em relação às verbas destinadas em seu orçamento para atendimento da saúde. Considerando, ainda, que as pendências encontradas já perduram por vários anos e administrações, entendo que a análise do requerimento de antecipação de tutela deve ser postergada para após a vinda do contraditório, inclusive, com a intervenção necessária do Ministério Público.”

Para a Defensoria, as ações coletivas, como no caso em questão, muitas vezes levam anos, “motivo pelo qual indeferir liminar que busca uma solução para condições de precário atendimento e funcionamento, problemas em relação às estruturas, instalações, mobiliários, equipamentos e recursos humanos existentes e, ainda, denúncias de altos índices de mortalidade de uma unidade hospitalar é ser conivente com a omissão inconstitucional do ente público”, ressaltou Raphaela Jahara no recurso aos desembargadores.

Contestando ainda a justificativa da Vara Única de Macabu de que o rol de medidas requeridas pela Defensoria no hospital é extenso demais em relação à realidade financeira do Município, a instituição informa ainda nos autos que de acordo com o Ministério da Saúde os repasses federais para a prefeitura aumentaram de R$ 2 milhões, em 2012, para R$ 5,3 milhões em 2017, ressaltando que tais valores devem ser empregados na média complexidade, o que não ocorre no caso em análise.

Texto: Bruno Cunha



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