Casa Nem acolhe quem acabou nas ruas em razão do gênero autopercebido ou orientação sexual 

 

Ao invés de rejeição, acolhimento. É o que oferece a Casa Nem a travestis, mulheres transexuais, homens trans e população homossexual. O projeto, que funciona em um imóvel de dois andares de uma ruela histórica da Lapa (RJ), é um verdadeiro lar para as pessoas que acabaram nas ruas, sujeitas a toda forma violência e humilhação, apenas por serem quem são: ou seja, viverem em conformidade com a identidade de gênero auto percebida e/ou sua orientação sexual.  

Atualmente, 25 pessoas moram no local. Lá, tanto quem reside como quem frequenta têm a chance de mudar a forma como se veem na sociedade e transformar as próprias vidas. Além de um teto, a casa oferece para a população LGBTI+ atividades que reforçam a autonomia e o empoderamento, oficinas profissionalizantes e o curso preparatório para o Enem “Prepara Nem”. No entanto, tudo isso corre o risco de acabar. É que uma decisão judicial determinou o despejo dos moradores por conta de dívidas de aluguel.

Em razão da importância do projeto, criado pela ativista trans Indianare Siqueira, o Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da Defensoria Púbica do Rio de Janeiro (DPRJ) ingressou na causa, pois a ação tem repercussão sobre toda a comunidade LGBTI+. A instituição recorreu contra a sentença proferida pela 34ª Vara Cível, autorizando o despejo imediato. Além disso, pediu a suspensão do cumprimento da decisão à 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio.

Segundo Letícia Furtado, defensora pública que coordena o Nudiversis, a instituição destacou o interesse público da Casa Nem no recurso. Além disso, pediu a manifestação da prefeitura do Rio e do governo do estado – que são os entes que deveriam realizar as políticas públicas voltadas para essa parcela da sociedade que vive em situação de vulnerabilidade. Ao analisar o pedido de liminar, a desembargadora Teresa de Andrade Castro Neves suspendeu o despejo imediato e deu 60 dias, a contar da publicação de sua decisão, em agosto, para a desocupação voluntária do imóvel.

Ao apreciar o caso, naquela ocasião, a desembargadora reconheceu a importância social da atividade desenvolvida pela Casa Nem. Entretanto, ela afirmou ser “desproporcional” que os custos recaiam sobre um indivíduo – no caso, os herdeiros que receberão o imóvel do espólio do então proprietário e que estão sem receber os alugueis. Na decisão, a magistrada chamou a atenção para a responsabilidade dos governos municipal e estadual para com a população LGBTI+.

Nesse sentido, a desembargadora destacou na decisão que “o imóvel abriga população LGTB em situação de rua, pessoas que por sua história e contexto social se encontram em situação de extrema vulnerabilidade, bem como a importância social do trabalho desenvolvido. Entretanto, a obrigação fundamental de assistência é do Poder Público”.

Na avaliação de Letícia Furtado, a decisão teve especial relevância justamente por reconhecer o papel político exercido pela Casa Nem e por chamar a atenção das autoridades para a falta de políticas públicas voltadas para as travestis, mulheres transexuais, homens trans e população homossexual em situação de vulnerabilidade.

– A decisão reconheceu a função social de extrema relevância desempenhada pela Casa Nem à população LGBTI+ do estado do Rio de Janeiro, não prestada à semelhança por qualquer ente estatal no Rio de Janeiro, servindo assim, inclusive, de fundamento para requerer das autoridades o implemento de serviços e políticas públicas voltadas para esse grupo vulnerável – afirmou a defensora.

 

Indianare Siqueira, responsável pela casa, destacou importância política da decisão 

 

Indianare Siqueira, responsável pela casa, destacou que o processo ainda não chegou ao fim, e a Casa Nem irá continuar desempenhando seu papel político, em defesa da população LGBTI+, que esteja em situação de risco social. Na opinião dela, a decisão também teve o mérito de reconhecer um movimento realizado por e para pessoas que, infelizmente, vivem à margem das políticas públicas.

– Politicamente, a decisão é boa. Quando desembargadora deu a decisão, ela reconheceu o espaço, a luta política e o ativismo que é feito ali. Reconhece o quanto esse espaço faz pela vida das pessoas. Isso, politicamente, para o movimento Casa Nem, é muito importante. É quase como um contrato que diz: sim, esse espaço existe – destacou.

 

Texto: Giselle Souza

Fotos: Letícia Maçulo. 



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